sábado, 21 de junho de 2008

Feijoada da Folha

Iguaria completa e
rodeada de história


Feijoada da Folha - Terceira edição do evento remonta sabor e história de um costume que, na verdade, não é tão brasileiro quanto se pensa. Mas o que importa? Verdade é que Portuguesa, francesa, ou à brasileira, a feijoada é booooooa...

por thiago freitas

O tamanho da foto foi de propósito. Claro. Afinal, se só de pensar em feijoada tem muita gente que baba, imagina olhando assim bem de perto. Além disso, se este jornal fosse virtual, com certeza teria uma musiquinha de fundo, chicobuarqueando algo como “Mulher / Você vai gostar / Tô levando uns amigos pra conversar / Eles vão com uma fome que nem me contem / Eles vão com uma sede de anteontem / Solta cerveja estupidamente gelada prum batalhão / E vamos botar água no feijão”. E tudo isso com apenas um objetivo: lembrar que hoje será realizada a terceira edição da Feijoada da Folha, evento que vem se tornando tradicional e que reúne sabor e resgate histórico deste velho costume de reunir amigos em torno de música e um típico prato brasileiro. Será?

A realização do evento da Folha, noticiado durante todo o mês de junho, não é lá uma novidade. Novidade, para muitos, pode ser o fato de que, pesquisando, eis que descobre-se que a feijoada, prato muito apreciado no Brasil, não tem lá suas raízes propriamente nas terras colonizadas pelos irmãos “portugas”.

A Wikipédia (sim, a internet tá aí para isso), a enciclopédia virtual, nos mostra que a explicação mais difundida sobre a origem da feijoada é a de que o senhores das fazendas de café, das minas de ouro e dos engenhos de açúcar davam aos escravos os "restos" dos porcos, quando estes eram carneados. O cozimento desses ingredientes, com feijão e água, teria feito nascer a receita. No entanto, a mesma fonte nos mostra uma outra versão para o fato dela ter se tornando tão tradicional, versão esta dada por Carlos Augusto Ditadi, técnico em assuntos culturais do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.

Ditadi defende, em artigo publicado na revista Gula, de maio de 1998, que essa popular origem da feijoada não passa de lenda contemporânea, nascida do folclore moderno, uma visão romanceada das relações sociais e culturais da escravidão no Brasil.

"O padrão alimentar do escravo não difere fundamentalmente no Brasil do século XVIII: continua com a base, que fora estabelecida desde os primórdios, formada por farinha de mandioca ou de milho feita com água e mais alguns complementos. A sociedade escravista do Brasil, no século XVIII e parte do XIX, foi constantemente assolada pela escassez e carestia dos alimentos básicos decorrente da monocultura e do regime de trabalho escravocrata, não sendo rara a morte por alimentação deficiente. O escravo não podia ser simplesmente maltratado, pois custava caro e era a base da economia”, explica o pesquisador, acrescentando: “Não existe nenhuma referência conhecida a respeito de uma humilde e pobre feijoada, elaborada no interior da maioria das tristes e famélicas senzalas".

Para fortalecer ainda mais seu argumento, Ditadi aponta também a existência de um recibo de compra pela Casa Imperial, de 30 de abril de 1889, em um açougue da cidade de Petrópolis, no qual se vê que, consumia-se carne verde, de vitela, carneiro, porco, lingüiça, lingüiça de sangue, fígado, rins, língua, miolos, fressura de boi e molhos de tripas. Isso comprova que não eram só escravos que comiam esses ingredientes, e que não eram de modo algum "restos". Ao contrário, eram considerados iguarias.

A partir daí, ele chega a apontar a origem da feijoada a partir de influências européias, tendo a ver com receitas portuguesas, das regiões da Estremadura, das Beiras, Trás-os-Montes e Alto Douro, que misturam feijão de vários tipos - menos feijão preto (de origem americana) - lingüiças, orelhas e pé de porco.

Mais um forte elemento que afasta os relatos folclóricos do surgimento da feijoada em senzalas brasileiras é a publicação de um anúncio no Diário de Pernambuco, na cidade do Recife, de 7 de agosto de 1833, no qual se lê que um restaurante, o Hotel Théâtre, servia, às quintas-feiras, a “feijoada à brasileira”.

A feijoada completa, tal como a conhecemos, acompanhada de arroz branco, laranja em fatias, couve refogada e farofa (e feijão preto), era muito afamada no restaurante carioca G. Lobo, que funcionava (até 1905) na Rua General Câmara, 135, no centro do Rio. E segundo o pesquisador Pedro Nava, nos livros Baú de Ossos e Chão de Ferro, a receita contemporânea teria migrado da cozinha do estabelecimento G. Lobo para outros restaurantes do país. E hoje, estaremos todos a saborear e repetir quase 300 anos de história, seja a feijoada brasileira ou não...

Nenhum comentário: