sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Solecismos e francesismos


Ora, sim, pois, pois

Eraldo Mai


Solecismo, para quem não sabe o que isso seja, é qualquer desvio da norma gramatical referente à concordância, regência ou colocação, isto é, uma transgressão relacionada à organização sintática de uma sentença. Assim, por exemplo, a posposição de um pronome átono ao verbo, caso haja, antes dele, uma palavra negativa, corresponde a um solecismo de colocação. Coisas como “Não deram-me a menor importância” correspondem a esse “vício” de linguagem. O certo, diria a veneranda Gramática de nossa língua, é “Não me deram a menor importância”, uma vez que, com a tal palavra negativa anteposta ao verbo, a próclise se faz obrigatória. Próclise é exatamente a anteposição do pronome oblíquo átono ao verbo. Também teríamos um caso de solecismo em frases como “Assistimos o jogo pela televisão”, porque, de acordo com a lição dos livros dos gramáticos, o verbo “assistir” é, quanto à sua regência, um verbo transitivo indireto, exigindo um complemento preposicionado. É claro que, no registro coloquial distenso, tal verbo é tratado mesmo como transitivo direto, e seu complemento não se preposiciona. Os livros didáticos, porém, e os censores da língua querem porque querem que o verbo seja transitivo indireto, e seu complemento seja antecedido de preposição. Não ocorrendo assim, houve um solecismo de regência.

Pois é exatamente em torno de um solecismo, de um bendito solecismo de regência, que escrevo a primeira parte desta matéria. A cena se passa há quase quarenta anos, mais precisamente em l968 (ano da Passeata dos Cem Mil), lá na Faculdade de Direito da UFRJ, quando eu cursava o terceiro ano do meu bacharelado. Havia uma prova de Direito Processual Penal. Naquele ano, já namorando aquela que se tornaria minha mulher por toda a vida, e a quem conheci na faculdade; dedicando-me à política universitária, aos atos de repúdio ao governo militar e ao imperialismo ianque, eu pouco freqüentei os bancos da escola. Ia mesmo só fazer as provas semestrais, mas, nas aulas, pouco dava o ar de minha graça. Foi justamente numa das provas, aquela referida acima, que a coisa aconteceu.

Entra na sala o professor. Constata que, para fazer a prova, há muitas dezenas de alunos, embora fosse baixíssimo o comparecimento às aulas. Exterioriza, então, sua indignação, alegando que não conhecia grande parte dos alunos que, na sala, se encontravam. Começa a olhar para nós, e eu, envergonhado, procuro não me fazer notar, porém seus olhos batem em mim. Com rispidez, pergunta-me: “O senhor é aluno da faculdade”? Confesso que, na minha irreverência de 22 anos, tive ímpetos de responder que não, que estava ali só de sacanagem, mas é óbvio que não me atrevi a tanto. Disse-lhe que era aluno regularmente matriculado. O mestre, então, pergunta-me se eu podia provar minha condição de aluno, justificando-se: “Sim, por que eu não lhe conheço”.

Foi a minha salvação: o professor cometera um tremendo solecismo. O verbo “conhecer” pede complemento sem preposição, conseqüentemente o pronome “lhe” não deve ser usado como seu complemento, já que sua função, de acordo com o que preceitua a norma culta é de objeto indireto. Quem conhece não conhece a alguém, conhece alguém. Assim, diante do “Eu não lhe conheço” do meu professor de Direito Processual Penal, jurista conhecidíssimo e respeitado, levanto-me da cadeira, inclino um pouco o meu corpo pra frente e digo em voz bem alta: “Mas eu o conheço, eu o conheço muito bem, professor”! O mestre percebe a gafe, avermelha, olha na minha direção e diz-me: “Está bem, está bem, pode sentar-se e fazer sua prova”!

Ufa! Salvo por um solecismo de regência!

O outro “causo” que me lembra (eis uma regência que Machado de Assis adorava: em vez de alguém lembrar algo ou lembrar-se de algo, algo é que lembra à pessoa) envolve um purista e sua teatralidade. O ano era o de l972. Eu já lecionava em cursinhos pré-vestibulares. Estava na PUC do Rio de Janeiro, esperando alunos que sairiam das salas onde faziam a prova do seu vestibular.

Entre os meus pupilos, havia um, cujo nome não recordo, mas de quem jamais esquecerei, excelente aluno, que, saindo da sala onde fizera a prova, conversa comigo a respeito da redação. O tema girara em torno de um poema de Drummond sobre a bomba atômica, que eu já analisara com meus alunos numa das aulas do cursinho. Meu pupilo dizia-me que tentara lembrar-se de tudo o que eu dissera sobre o poema, mas que não conseguira. Para consolá-lo, disse-lhe que, certamente, ele se esquecera de algum detalhe.
Pra que fui dizer detalhe? Perto de mim, estava um professor de um cursinho rival daquele em que eu trabalhava. Eu era um garoto de 26 anos; ele, um homem já maduro, de mais de 40 anos. Tido como um purista do vernáculo, ou seja, daqueles que odeiam palavras estrangeiras, os chamados barbarismos, horroriza-se com a palavra que eu dissera. Já houve tempo ( e a década de 70 já não era esse tempo), em que os tais puristas repudiavam palavras de origem estrangeira e, ridiculamente, criavam, com radicais gregos e latinos, outras que a elas sucederiam. Assim, por exemplo, em lugar de futebol, criaram ludopédio e balípode; em lugar de “soutien” (pasmem!), porta-seios; e anidropodoteca para substituir galocha. Pois o professor purista não tolerara o emprego da palavra “detalhe”.

“Mestre”, ele grita, abrindo os braços dramaticamente pra mim,”não diga detalhe, diga pormenor, porque detalhe é um galicismo”! Pode uma coisa dessas? Não dizer detalhe, dizer pormenor? Mas espera aí: que foi que ele disse mesmo? Detalhe é galicismo?

Então, do alto da minha juventude e dos meus cabelos longos, sorrindo pro meu acusador, revidei educadamente: “Mestre, não diga galicismo, porque galicismo já é um francesismo, não é”? O meu rival amarelou, engoliu em seco, tentou brincar, dirigindo-se ao diretor do meu cursinho: “O passe do Eraldo está à venda”? O discurso, agora, era outro.

Eis como conhecer certos pormenores (detalhes não, porque detalhe é francesismo) da língua pode nos socorrer em certas situações embaraçosas.



*Poeta e professor de Língua Portuguesa da Ferlagos

Conversos


Eraldo Mai
Advento

Havia Deus que dormia
E o rosto de Deus sorrindo
Deus desligado do mundo
Descansava e era bonito
Ver Deus dormindo e o sorriso
Quem sabe com que sonhava?

Lá na barriga de Deus
Deus aos poucos se fazia
Em novo corpo tecido
O mesmo Deus residindo
Na pessoa que dormia
Naquela que nela estava

Era a vida florescendo
No ventre da própria vida
Era o amanhã se tecendo
Dentro daquela barriga
Era a espreita da colheita
Da mais perfeita alegria

Siempre

Me gusta el frio
Cuando hace frio
Y me gusta el calor
Cuando hace calor
Me gusta la lluvia
Cuando llueve
Y me gusta el sol
Cuando hay sol

Me gusta Dios siempre
Porque siempre hay Dios
Y me gusta la gente siempre
Porque siempre en la gente
Hay Dios


*Poeta e professor de Língua Portuguesa da Ferlagos

Quem inventou esse tal de Estado?


Mal Traçadas


Thiago Freitas

Confesso. Nos últimos dias, ando com os sentimentos meio à flor da pele. Às vezes, me flagro chorando diante da TV, lendo jornais ou assistindo a certos filmes, como À Procura da Felicidade. Os absurdos que presencio me tocam o coração feito socos, socos repetidos, numa seqüencia ininterrupta de golpes.

Não foi sem me revoltar, e questionar muito, que acompanhei durante todo o mês de novembro o caso da menina de 15 anos, presa, em Abaetetuba, no Estado do Pará, em uma cela com 20 homens, onde sofreu todo tipo de abuso sexual em troca de comida.

Perdoem-me o excesso de sentimentalismo implícito neste texto, mas meu maior defeito – tem quem considere isso qualidade – sempre foi não separar meu eu-cidadão do eu-repórter. Afinal, que merda de Estado é esse que permiti tamanho absurdo e classifica isso como um erro? Não foi um erro, foi um crime, cometido por nosso Judiciário, por nossa polícia, por nosso Legislativo, Executivo e todo resto.

Em São Paulo, o mesmo aconteceu com o caso do delinqüente ciumento que seqüestrou, pela segunda vez, a ex-noiva, conseguindo concretizar aquilo que não havia conseguido na primeira tentativa: matar aquela que era vítima de sua possessão. Para isso contou com a “ajuda” do judiciário, que o concedeu liberdade provisória um mês depois dele ter se entregado à polícia. O primeiro seqüestro ocorreu em junho deste ano. Tem quem diga que a Justiça cometeu um erro. Eu diria, sem pudor, que a Justiça foi cúmplice de um assassinato ao colocá-lo novamente nas ruas.

Na Região dos Lagos, barbaridades como essas, infelizmente, não são menores. A violência, assim como a impunidade e suas conseqüências, por aqui, não deixa nada a desejar para a que ocorre nos grandes centros urbanos. Recapitulando: uma menina de cinco anos é estuprada e jogada morta dentro de um buraco qualquer em Arraial do Cabo; um menino, de oito, também é violentado pelo padrinho, no bairro da Ogiva, em Cabo Frio; outro animal – os animais que me perdoem – sem alma violentou uma criança de dois anos... E nosso coronel Adílson Nascimento, comandante do 25º Batalhão da Polícia Militar, tenta nos convencer, através de números infundados, de que “a violência na região não aumentou, mas, sim, a polícia é que está mais atuante”. Fato é que ninguém, diante de seus erros – ou crimes – sabe dar uma explicação que convença os milhares, milhões de cidadãos que esperam um mínimo de sentido nessa tal sociedade gerenciada por nosso Estado, constituído por seus Três Poderes. É por isso que tanto o Adílson como o Lima Castro - este último já deixou o cargo e foi errar em outras bandas - de boca fechada são verdadeiros poetas. Uma dupla perfeita de parnasianos que muito falam sem nada dizer.

E nossa grande imprensa, o que dizer dela? Voltando ao fato da menina do Pará. Leitores, realizem comigo: foi um preso que saiu da cadeia e foi até a escola, conseguiu uma cópia da certidão de nascimento da menina e se dirigiu ao conselho tutelar. A mãe dela, que apareceu pedindo justiça após o caso explodir na mídia e a menina ser libertada, onde estava esta pobre mulher que não tomou ela própria essas providências? Os presos, por que foram transferidos? E por que a menina foi retirada do Estado do Pará junto com o pai biológico, ambos ameaçados de morte (também não dizem por quem) enquanto que a mãe permaneceu por lá? São questões que a imprensa, claro, não tem obrigação de responder, mas o dever de perguntar, isso tem. Eu, por enquanto, fico aqui, entre lágrimas, letras e o sentimento de revolta, de insegurança, de impotência. Ainda não duvido da existência de Deus. Mas uma pergunta chata, impertinente, insiste em me martelar a cabeça a cada edição de jornal, a cada fato presenciado no dia-a-dia desse mundo cão: quem foi o louco, o imbecil ou desocupado que inventou esse tal de Estado?




*Jornalista

A liberdade de escrever



Nossa Imprensa

Octavio Perelló

Por falta de outro que atendesse à idéia deste artigo, afanei o título acima. Roubei-o de um livro que considero obra capital de Erico Veríssimo, A liberdade de escrever – Entrevistas sobre literatura e política (Editor Globo, 1999, 210 páginas). Com apresentação de Luis Fernando Veríssimo e organização de Maria da Glória Bordini, trata-se da compilação de parte substancial do pensamento do escritor, em reunião de entrevistas memoráveis. Erico Veríssimo, este que, como poucos, viveu de literatura, nos legando sua ficção monumental e um punhado de opiniões e posicionamentos corajosos.

Os livros, sem exagero, são o que detém a liberdade do planeta. Não se iludam, meus parcos e pacientes leitores, não há liberdade total, em nenhuma mídia, senão nos livros. Os ideais mais libertários, desde o advento do livro, estão impressos nestes, e não há jornal que o conteste. As artes são livres e libertárias, mas as letras impressas nas páginas dos livros são mais, estejam reportando fatos reais ou costurando narrativas de ficção. A literatura, em seu sentido bibliográfico, não é somente linguagem, carrega a língua documentada. É nesta fonte que bebemos desde as primeiras letras.

Neste exato momento, ao traçar estas modestas linhas, não posso acreditar que a Internet é um canal de livre expressão. Sinceramente, não é. Mesmo que sejam acessados de forma democrática, sites e blogs são regulados, em seu conteúdo, pelo dispositivo invisível da censura, seja da autocensura do escriba ou da tesoura do editor. Afinal, há limites que se impõem pelo respeito ao leitor, coisa que nos livros não ocorre. Por sua verve libertária, são os livros os maiores alvos de censura em toda a História, desde as fogueiras medievais que, além de páginas e encadernações, também esturricaram muitos autores. Desde os romances picantes que ruborizaram moças curiosas, até as mais contundentes idéias publicadas que abalaram o mundo e o transformaram.

Ao longo da História avança e recua a imprensa, mesmo escrevendo páginas importantes. Evidentemente que sempre houve a imprensa resistente a políticas totalitárias e arbitrárias – um ou outro segmento sobrevivendo às margens do sistema. Porém, muito antes da primeira pressão ou do primeiro atentado a uma redação, os livros já haviam freqüentado imensas fogueiras. Estes sim nos legam o conhecimento de muitos séculos. O legado religioso e científico nos foi trazido pelos livros; as ideologias perduraram mais pelos livros do que pelos sistemas que implantaram. A liberdade de escrever jamais foi tão suprema em outro território.

Não pretendo, com estas opiniões, aprisionar a atuação da imprensa nas masmorras perpétuas do sistema. Apenas externo uma reflexão que sempre me acompanha sobre a liberdade de escrever. Não me refiro à liberdade de falar, inclusive de caluniar ou exagerar em elogios, mas sim da incomensurável liberdade de escrever, que maior não há do que nos livros, na literatura.



* Jornalista, arquivista, especializado em Gestão de Centros de Documentação e Informação, atualmente diretor-geral da Câmara Municipal de Cabo Frio e colaborador da Revista Cidade, com passagens por importantes assessorias de imprensa e agências do Rio de Janeiro, tais como Bradesco Seguros e Previdência, Básica Comunicação, Shopping de Comunicação e FSB Comunicações, e veículos, agências e assessorias de imprensa do interior do Estado, como Folha dos Lagos, O Canal, Cox Propaganda, Humanóides Produtora, Prolagos e Prefeitura de Búzios. Autor de Memórias de um mouro (Prêmio IV Concurso de Contos da Prefeitura de Niterói, publicado pela Niterói Livros em 2006) e Colóquios de Vespúcio e Colombo (Prêmio Teixeira e Souza de Literatura 2003 / Prefeitura de Cabo Frio).

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

A todos, um Feliz Natal!



O Lagos Alternativa deseja a todos leitores e colaboradores deste blog um feliz Natal, repleto de paz, amor, fé, saúde e luz. E que ao comemorar o nascimento de Jesus, mesmo aqueles que não crêem, todos vejam nascer em si a força necessária para seguir em frente, fazendo deste mundo um mundo melhor. É este o nosso ideal.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Larga do meu pé, jacaré, ou deixem os Campos de Dunas do Peró em Paz


Verde que te quero verde


Juarez Lopes

O grande embate que se anunciava nas décadas de 70 e 80, quando Cabo Frio foi precursor, em nível estadual, da tentativa da revelação de uma consciência ecológica, a chamada ecologia profunda, chegou. A cidade de Cabo Frio é, atualmente, o foco (ou seria alvo?) das atenções dos grandes investidores, antes travestidos de especuladores imobiliários, só que, como o filme queimou, agora se apresentam como investidores em eco-sustentabilidade. A arrogância é tanta que um dos seus principais representantes, o chefe da tribo, o Robredo Ambrófilo, em um dos seus encontros, num desses balcões de negócios, falava:

“... vejam só, nobres senhores, aqueles ambientalistazinhos querem interromper um ‘negócio’ de R$ 500.000.000 (quinhentos milhões de reais), só porque na nossa área tem uma plantinha, uma tal de jaquinia, e o que é pior, tem um tal de um passarinhozinho, acho que o nome dele é formigueiro do litoral, que faz uns buraquinhos por lá, e eles, os tais ambientalistas, querem proteger. Ora amigos, eu vos pergunto: esses ambientalistas se preocupam com a favela do buraco do boi? Se preocupam com as invasões da APA de Massambaba?”

A fala desse digníssimo representante poderia se encaixar na boca de qualquer um desses grandes personagens da recente história mundial, aqueles que pregaram o apartheid, o absolutismo, o racismo, a raça pura, o ódio pelo outro, ou seja, o discurso único, a vaidade, o preconceito, a falta de conhecimento, a insensibilidade.

Senhor Robredo Ambrófilo, se o senhor não sabe, não estamos diante de um lugar qualquer, de um valor qualquer, de uma equação pura. Estamos diante de um patrimônio público mundial. Algo que é capaz de gerar tudo que o senhor propõe, com uma significativa vantagem: é pra sempre. Inalienável. Indissociável. Geradora de sonhos, como os que sonhou Albert Einstein.

O campo de Dunas do Peró, nosso maior patrimônio, não se fez por manipulação genética, por negligência administrativa. Quem o fez, fez com muita categoria e sapiência. Deixe-o em paz, por favor! Afinal, “... de que me serve um saco cheio de dinheiro, pra comprar um quilo de feijão?”



*Engenheiro Civil, sanitarista e ambientalista

Os cínicos e o cigarro

Esquerda, volver!


Avelino Ferreira


Está provado: o cigarro dá muito prazer, ao mesmo tempo que provoca males. Aliás, como o açúcar, a gordura, o álcool. Mas, dizem os estudiosos, o fumo dá muito mais prazer que as outras drogas e, por isso, é mais difícil deixar de fumar que deixar o crack, a cocaína, a maconha, a gordura, a carne bovina, o álcool etc..


No que tange ao fumo, parece que tudo começou com os tupinambás, que pitavam um cigarrinho de fumo de rolo, fato que foi motivo de relato do capelão da primeira expedição francesa ao Brasil, em 1556, segundo conta Mário César Carvalho no seu livro O Cigarro. O autor omite que não foi o câncer que dizimou os índios, mas sim as armas de fogo.

As invasões européias à terra da Santa Cruz permitiram aos brancos experimentarem um fuminho e, como gostaram muito de uma tragada, introduziram o produto do Novo Mundo em Portugal e Espanha. Depois, em outros países do Velho Mundo.

Fumar cigarro era raridade até o final do século 19. Em 1880, cerca de 58% dos usuários de tabaco eram mascadores de fumo, 38% fumavam charuto ou cachimbo, 3% cheiravam rapé e apenas 1% era fumante de cigarro. Nesse ano, o americano James A. Bonsack inventou uma máquina capaz de enrolar 200 cigarros por minuto, o que criou condições para o aparecimento da indústria de cigarro.

Durante a I Guerra Mundial, os soldados recebiam cigarros. Era uma maneira de diminuir a tensão, a ansiedade, e seu uso, que se achava restrito às camadas marginais das sociedades americana e européia, explodiu. Em 1900, o consumo anual americano era de cerca de 2 bilhões de cigarros; em 1930, chegou a 200 bilhões. Após a II Grande Guerra o hábito de fumar se espalhou pelo mundo, envolta em glamour por Hollywood, como símbolo de modernidade.

Nas últimas décadas, no entanto, o fumante passou a ser olhado como criminoso. As leis foram se sucedendo e, cada vez mais duras, até o ponto da proibição total do fumo em locais fechados. Restou a rua, mas mesmo nela o fumante é olhado como um marginal. O Japão chegou ao extremo de considerar crime o ato de fumar. Mesmo na rua é proibido uma tragada. Além de ser multado, o infrator vai preso e fichado.

Todos que fumam e morrem de câncer, o motivo é o cigarro. Agora mesmo aproveitam a morte de Paulo Autran para espalhar aos quatro cantos que o ator morreu por causa do fumo. Os dados, segundo os denunciadores do fumo como mal do século, não mentem jamais: quem fuma tem mais chances de contrair doenças de pulmão que os “normais”; 15% dos dependentes do cigarro morrem de câncer e outros 15% morrem de enfisema pulmonar. E são 25 milhões de fumantes no Brasil. Só não revelam as pesquisas sobre as mortes provocadas por enfisema pulmonar, por câncer e por problemas de coração em não-fumantes.

Não sei o que nem quem está por trás dessa campanha contra o tabaco. São os mesmos que toleram a bebida e combatem a maconha. São os que fumam, bebem e se drogam (drogas legais e ilegais).

Quando Paulo Autran morreu, aos 85 anos de idade e trabalhando, um cínico apressou-se em dizer que foi o cigarro. Só não disse que ele chegou aos 85 anos muito bem em relação aos milhões que morrem antes. Muito antes. E morreu numa idade muito acima da média dos não fumantes. Para concluir: perguntaram a um japonês bastante idoso sobre o segredo de sua longevidade. O centenário japa respondeu, na bucha: “nunca fiz nada do que não gosto”.


*Jornalista, pós-graduado em Filosofia

Diálogo entre Deus e um cientista ateu

História & Sociedade


José Francisco de Moura


O ateu acabara de morrer. Tratava-se de um grande cientista, um biólogo renomado que buscava como um louco descobrir a cura para o câncer. Ele não acreditava em vida após a morte e muito menos em Deus.

Qual não foi sua surpresa ao notar que estava vivo após ter morrido, mas com um outro tipo de corpo. Mas a surpresa não ficou por aí. De repente, viu uma grande luz e ouviu uma voz forte: “Olá, meu filho”. Assustado, o ateu perguntou: “Quem é você?”. “Sou Deus”, disse o ser iluminado. “Então o Senhor existe?”, perguntou o ateu assustado. “Sim, mas você nunca acreditou em mim”. O ateu respondeu: “Não havia provas suficientes. Muitos diziam que o Senhor era um velho rabugento, outros que existiam vários deuses, outros que o Senhor era só uma energia. Ninguém tinha provas de nada, só falação vazia, só interesses materiais, fanatismo e loucura irracional”, completou. “Sim, nisso eu tenho que concordar com você”, respondeu Deus.

Entusiasmado com o papo, o cientista ateu, sempre com fome de conhecimento, foi logo perguntando: “O senhor criou o Universo? Os evolucionistas estavam errados?” . Deus olhou com compaixão para o ateu e disse: “Eu criei os mecanismos para que a evolução se desse e o mundo se auto-regulasse. Criacionistas e Evolucionistas estão errados e certos ao mesmo tempo”, respondeu Deus. Encantado com a resposta, o ateu disse: “Mas se o Senhor criou tal complexidade que é o universo o senhor é um grande cientista, o maior de todos. Sabe, então, que necessitamos de provas e evidências para chegarmos às verdades”. “Sim, eu sei”, completou Deus.

Querendo continuar a se justificar por não ter acreditado em Deus quando vivo, o cientista ateu continuou a dar vazão aos seus argumentos. “Olha, Senhor, lá na Terra sempre teve muita gente se dizendo seu intermediário e falando em seu nome. Criaram mil e uma religiões e templos onde dizem que o Senhor está. Muitos cobram dízimos dos fiéis dizendo que é para a sua casa”. Deus, então, olhou sério e disse: “Meu filho, se eu criei o universo você acha que eu preciso de dinheiro, essa coisa suja que vocês inventaram e que por ele fazem qualquer atrocidade com seus irmãos?”. “Claro que não”, completou o já encantado ateu. “Mas e os que estão lá falando em seu nome? E os que afirmam que só quem segue a fé deles chegará ao Senhor?”, insistiu o ateu. “Para esses Eu tenho o pior dos castigos. Vão ficar muito tempo com o meu parceiro, o Diabo”.

O ateu quase caiu da cadeira de plasma onde estava ao ouvir aquilo. Perguntou quase imediatamente: “O Diabo existe? Ele é seu parceiro? Sempre ouvi dizer o contrário’. “Sim, ele existe, ele me poupa de conviver com muita gente detestável, dentre elas os que dizem falar em meu nome sem que eu tivesse dado permissão para isso e sem que se preocupassem verdadeiramente em melhorar os corações e mentes. Eu dei a razão para vocês para que a usassem e não para que criassem mil superstições em meu nome. Aqueles que ajudaram a suprimir a razão das mentes em nome de uma fé louca e cega em algo que nem provas tinham da existência serão os mais cobrados”.

“E quanto a nós, cientistas? Na Terra 91 % dos cientistas não acreditam no Senhor”, perguntou o ateu de forma tensa. “Se não acreditaram em mim falta de provas, por desconfiarem dos mercadores da fé que falam em meu nome, não tem problema. Se forem bons com o próximo e tentaram ajudar a humanidade com suas pesquisas, então são como se tivessem acreditado”, responde Deus.

O ateu aliviado, então, perguntou: “Então posso ficar por aqui? Posso ficar próximo do Senhor?”. “Sim, meu filho, tenho aqui um lugar para que você continue suas pesquisas, agora em um outro nível”. E abriu uma porta onde centenas de milhares de outros cientistas trabalhavam, uma espécie de laboratório celeste. “Uau”, gritou o cientista: “Vou poder continuar meu trabalho. Imaginava que o paraíso era um tédio só, um lugar que tinha de tudo que precisávamos e que só teríamos que ficar louvando o senhor eternamente. Alguns diziam que tinham até virgens esperando por eles”. Deus riu e completou: “Você acha que minha vaidade é tamanha que preciso que fiquem eternamente me louvando? Você acha que eu criaria um paraíso para vagabundos, um lugar onde ninguém trabalha? Aqui se trabalha, e muito. Só que não há cansaço. Quanto às virgens e outras coisas que inventam ter por aqui, é porque essa gente da Terra transfere para o cá seus anseios materiais e carnais, seus piores desejos”.

Impressionado com a resposta, o cientista entrou na sala e foi logo se ambientando com os colegas. Em pouco tempo, feliz e contente, já estava envolvido em mil tarefas celestes. Aqueles que mais falavam de Deus não foram vistos no paraíso. Os cientistas apenas imaginavam onde deviam estar.




*Professor de História e Doutor em História da Grécia

domingo, 16 de dezembro de 2007

No way out

X-Tudo

Cacau

Quando Nixon tentou a reeleição na década de 70, houve um instante em que o Partido Democrata quis desmascará-lo taxativamente, acusando-o de mentiroso. Quase o conseguiu. Teria sido um erro. Não que Nixon não demonstrasse sê-lo, mas porque em propaganda, funcionam estímulos e não respostas. Dizer: “ESTE HOMEM É MENTIROSO”, debaixo de uma foto em close do Nixon seria a resposta a ser obtida e, certamente, teria causado repulsa em, no mínimo, metade do eleitorado.

Ao invés disso, sabiamente, o que se escreveu debaixo da caraça de nariz arrebitado do ex-presidente foi: “VOCÊ COMPRARIA UM CARRO USADO DESTE HOMEM?”

O resultado foi o que se viu.

Mal comparando, você compraria um carro usado do Eurico Miranda? Do Paulo Maluf? Do Delúbio Soares? Do... Deixa pra lá.



*Publicitário

sábado, 17 de novembro de 2007

Via de mão dupla

Nossa Imprensa

Octávio Perelló

Eis uma máquina de fazer doidos, a assessoria de imprensa, tal e qual uma redação. Sobre o balcão que as divide, pendula o martelo do mercado, este ente impiedoso que dita ao jornalista qual o caminho a seguir. Desta oscilação jorram histórias sobre parcerias e confrontos, e surgem ineditamente ações entre um e outro lado, fazendo-os ter de lidar com situações novas, muitas destas jamais previstas pelas escolas de jornalismo, tanto a acadêmica quanto a prática, a de domínio adquirido no exercício do trabalho.

Muitas são as discussões sobre ética, envolvendo acusações e desconfianças de ambos os lados. Por vezes o vilão é o assessor de imprensa, supostamente rendido ao rol de interesses que divide com os clientes que atende. Por outro ângulo, os interesses comerciais dos órgãos de imprensa, jamais assumidos desnudamente, recebem farpas de que privilegiam clientes em detrimento dos que “não estabelecem a parceria”. No meio, o cliente, umas vezes satisfeito por ter “saído bem na foto”, e outras tantas acuado com “ameaças de ataque” ou mesmo atingido pelo “bombardeio”.

[um dos esforços básicos do jornalista em assessoria de imprensa é delimitar fronteiras, para que não confundam sua atuação com o marketing, que é outra história]
Tem força o jornalismo, e o que o cliente espera do assessor de imprensa, que a priori transita os dois lados do balcão, é que trabalhe essa força, fazendo-a vir ao encontro e não vir de encontro aos objetivos de seu negócio. É aí que se formam as raízes dos erros comumente cometidos tanto por pequenas e grandes empresas quanto por homens públicos no exercício de suas gestões. Na lida com a mídia, privilegiam a sua mensagem, por vezes transitando em paralelo aos fatos, não somente no sentido dos acontecimentos noticiados, mas também no tocante à realidade do sistema, esta engrenagem que se permeia de negócios e parcerias. O profissional de ambos os lados do balcão sabe os limites tênues da propalada liberdade de imprensa, que existe relativamente, pois divide o espaço com as regras comuns do mercado, onde o produto é a informação, seu benefício é a boa imagem, e se paga o preço. Neste contexto, quando se erra a mão, as mensagens vão além da medida, além do que deveriam, além dos fatos e dos preceitos éticos.

Nesse imbróglio, um dos esforços básicos do jornalista em assessoria de imprensa é delimitar fronteiras, para que não confundam sua atuação com o marketing, que é outra história, que logicamente inclui a comunicação como um braço. Ao utilizar-se da ferramenta assessoria de imprensa, o cliente pretende ocupar espaços destacados nos veículos de comunicação. E, por sua vez, os profissionais de imprensa de cada lado do balcão, sob o impacto do martelo, muitas vezes se perdem, no sentido ético, o que não quer dizer que não atinjam os objetivos, que não demonstrem “competência” sob a ótica do mercado.

Se hay cuarto poder soy contra, pero no mucho

No fundo há um jogo disputado por políticos, empresários e jornalistas: o jogo da verdade. Ambos se imbuem de um poder de representação da sociedade, por vezes até messiânico, em busca de um embuste de mensageiro do além, aquele que tem a visão privilegiada da verdade. Isto tem servido, por todos esses anos, aos jornais, rádios e TVs. Tem poder a imprensa, e nela proliferam argutos profissionais que adoram o que fazem, acreditando serem habilitados a nomear e destituir homens públicos, o que os fatos comprovam ocorrer.

Podemos exagerar, sem medo: não fosse a imprensa, somente os livros não dariam conta da História. Do mesmo modo que temos de admitir, como de todo, em todas as instâncias da sociedade e instituições, a infiltração da prática charlatã. Ainda que questionável, tem força, mesmo que momentânea. Evidentemente, muitas “armações” chacoalham para lá e para cá, em meio à opinião pública, e não se sustentam por muito tempo. Mas aí, muitas vezes o estrago foi feito e pouco há que fazer. De um lado e de outro do balcão há injustiças. Há infindáveis exemplos de episódios em que imagens foram maculadas, atingindo honras, e outros em que paladinos da mentira sustentaram sua voz com os recursos midiáticos de que dispõem.

Sou da modesta opinião de que este assunto, que não se esgota nestas mal traçadas linhas, requer sempre o esforço do bom profissionalismo, para não aviltar de vez um mercado que tem sua nobreza, com certeza, mas precisa ser frequentemente depurado. Tem poder a imprensa, e é bom que o tenha, mas o filtro da ética será sempre seu dispositivo regulador invisível. Tem, sim, poder a imprensa. Não sei se mais que os políticos e empresários, mas faz seu estardalhaço aqui e ali. Certamente que isto é melhor do que a censura brutal que inibe a liberdade de expressão, porém se é mesmo a imprensa o quarto poder, tanto para contribuir com a evolução da sociedade, quanto para cometer também seus erros imperdoáveis, não consigo evitar que escape certo gosto pelo humor de parodiar uma velha e desbotada frase: - Se hay cuarto poder tambien soy contra, pero no mucho!

* Jornalista, bacharel em Arquivologia e especializado em gestão de Centros de Documentação e Informação, atualmente diretor-geral da Câmara Municipal de Cabo Frio e colaborador da Revista Cidade, com passagens por importantes assessorias de imprensa e agências do Rio de Janeiro, tais como Bradesco Seguros e Previdência, Básica Comunicação, Shopping de Comunicação e FSB Comunicações, e veículos, agências e assessorias de imprensa do interior do Estado, como Folha dos Lagos, O Canal, Cox Propaganda, Humanóides Produtora, Prolagos e Prefeitura de Búzios. Autor de Memórias de um mouro (Prêmio IV Concurso de Contos da Prefeitura de Niterói, publicado pela Niterói Livros em 2006) e Colóquios de Vespúcio e Colombo (Prêmio Teixeira e Souza de Literatura 2003 / Prefeitura de Cabo Frio).

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Amigos da escola e inimigos da Educação

História & Sociedade

José Francisco de Moura


A última novidade na educação em nosso país é o chamado Amigo da Escola. Alguns pedagogos e a Rede Globo têm apoiado esta idéia. Trata-se de convencer as pessoas da comunidade a prestarem serviços gratuitamente para a escola do seu bairro. Ou seja, trabalhar de graça em nome de uma suposta melhoria da educação. Parece piada, mas não é: querem que você faça gratuitamente aquilo que o Poder Público, a Rede Globo e a grande maioria dos pedagogos não fazem.

Enquanto isso, essa mesma educação se constitui, hoje, em um mar de fraudes trabalhistas sem precedentes na nossa história, provocando, principalmente, baixos salários, direitos trabalhistas não pagos e desemprego. Do professor, peça fundamental na educação, ninguém quer ser amigo.

Nos magistérios estaduais, além dos salários ridículos, temos a malfadada GLP, nome pomposo dado às horas extras. Há professores que trabalham até 24 horas nesse sistema. Alguns fazem até 48 horas semanais em sala de aula e 64 horas no total por uma única fonte pagadora, numa verdadeira afronta à lei. A GLP não conta para a aposentadoria, tira empregos de professores concursados que não foram ainda chamados e de novos professores recém formados. É dada, quase sempre, a amigos de diretores, de coordenadores ou de políticos, numa verdadeira promiscuidade com o dinheiro público.

Nos magistérios estaduais e municipais temos também outra fraude: o contrato temporário de trabalho. Ao invés de promoverem concurso para suprir a carência real de professores, muitos governos contratam o professor temporariamente e vão renovando esses contratos anos a fio, obviamente se estes professores não criticarem os governantes e os vereadores e deputados amigos. Em geral, o mesmo não vale para a experiência em carteira ou para a aposentadoria, não dá direito a férias ou a décimo-terceiro. Como a seleção não obedece a nenhum critério, esses contratos são distribuídos novamente a amigos de diretores, de coordenadores de área, de políticos ou de pessoas influentes. O contrato pode ser rescindido a qualquer hora, ao sabor da vontade do político ou de seus asseclas dentro dos colégios.

Nas escolas particulares de níveis Fundamental e Médio encontramos professores sem carteira assinada, muitos ganhando menos que o piso e vários professores sem receberem décimo-terceiro e férias. Salários atrasados também são uma constante na maioria dessas escolas.

No magistério público superior temos o cargo de Professor Substituto, o maior embuste trabalhista da história da educação superior deste país. O professor é contratado em regime de trabalho temporário, ganhando uma miséria (cerca de R$ 600,00). Ele não tem vínculo efetivo com a instituição, não comprova experiência em carteira e o seu tempo de trabalho não conta para a aposentadoria. O professor substituto não tem direito a décimo-terceiro e férias. E, principalmente, tira emprego de professores qualificados, com mestrado e doutorado e que podiam ocupar as vagas via concurso público, quando este último, obviamente, também não se configura em fraudes para colocar amigos dos examinadores das bancas.

Em algumas universidades particulares também encontramos diversas irregularidades trabalhistas, como salários bem abaixo do piso, direitos trabalhistas não pagos, pagamentos de aulas efetuados por fora para não pagarem FGTS e proliferação de cursos à distância sem remunerar adequadamente o professor, que, aliás, neste caso, nem é considerado como tal, mas como Tutor, uma nova “profissão”, inventada para fraudar a lei e obterem mais lucros.

Diante desse trágico quadro aqui resumido, o que faz a Justiça Trabalhista Brasileira e o Ministério Público? Rigorosamente nada. Apenas assistem a tudo passivamente. Os promotores públicos e os fiscais trabalhistas poderiam ser os verdadeiros Amigos da Escola se fossem investigar o que aqui exponho e cumprissem a lei.

Dessa escola que aí está eu quero ser o maior inimigo. Amigo, nunca!



*Professor de História e doutor em História da Grécia


terça-feira, 13 de novembro de 2007

Lula e a ética do dominado


Esquerda, volver


Avelino Ferreira

Após observar o Governo Lula sinto reforçada a idéia de que precisamos de uma filosofia latino-americana. O operário-Presidente nada diz que nos dê uma perspectiva para sair do jugo europeu (mente) e americano (corpo), pois está reproduzindo o que aprendeu, ou seja, a ética do opressor ou a assimilação de tudo aquilo que desejam os dominadores. Lembremos que uma assertiva muito comum por aqui foi “o que é bom para os americanos é bom para os brasileiros”. Por isso continuamos a querer ser como eles, sendo este o caminho (único) do “desenvolvimento”.

[o dominado é levado a desejar ser como o dominador, o “adulto”. Não tem consciência de que jamais o será. Ao contrário, será sempre o escravo, criado e
mantido para servir
]


A questão a ser posta para um amplo debate, penso eu, é a da subjetividade do dominado. O dominado se vê como criança que um dia se tornará adulto. Seu desenvolvimento deve ser “natural”, entendendo-se “natural” o que o sistema eurocêntrico (e americanocêntrico) nos diz ser e, sendo eles os modelos de “adultos”, obviamente devemos ser como eles. Dessa maneira, o dominado é levado a desejar ser como o dominador, o “adulto”. Não tem consciência de que jamais o será. Ao contrário, será sempre o escravo, criado e mantido para servir.

É assim que age o dominado quando assimila a ética do opressor. E é assim que o opressor o mantém sob seu domínio, sem necessariamente tê-lo como colono. Até porque já o somos enquanto pensamento e enquanto entrega da nossa corporeidade. O nosso discurso é o do desenvolvimento, do consumo, do bem-estar a partir do consumo. Tudo, enfim, que o dominante quer que falemos e façamos. Ao assimilar tal discurso, seremos sempre dominados, vitimados.

Ainda há uma saída, pois os dominantes não eliminaram o “nacional” que há em nós. O que temos que fazer é assumir esse nacional, contrapô-lo à maneira pela qual nos enfiam goela abaixo a globalização e adotarmos uma ética própria, uma ética do dominado, da vítima, como propõe, entre outros, Enrique Dussel. Na verdade, o filósofo propõe uma ética global periférica e não nacional.

Com um novo pensamento, uma ética própria, por certo evitaríamos a perpetuação do eurocentrismo e do americanocentrismo e trilharíamos o nosso próprio caminho sem que tenham que nos dizer do que devemos gostar, qual modelo seguir, o que temos que pensar, mesmo quando nos insurgimos. Sim, pois até a insurgência ou o contradiscurso é-nos dado pelos opressores. Sequer nos perguntamos o porquê de adotarmos o mesmo sistema que nos escraviza. Talvez porque não tenhamos a consciência de que somos escravos.

Os europeus dominam as nossas mentes (é uma dominação formal) e os americanos dominam os nossos corpos (via práxis). Quando Lula fala em desenvolvimento, está claro que se refere ao desenvolvimento dos dominadores. Então, não temos perspectiva de liberdade, de uma vida que não seja a de robôs cujas memórias são limitadas pelos criadores do nosso pensamento.

Quando sustentamos a idéia de um contra-discurso à ética que nos foi imposta, utilizando argumentos extraídos da nossa raiz de dominados e não os argumentos que nos são dados pelos próprios europeus (e americanos), somos vítimas das vítimas que não se sabem vítimas. Enfrentamos a ironia dos cínicos e dos que ainda não entenderam que temos que fazer a negação da negação e olharmo-nos como o outro em relação ao europeu – americano. Por tudo isso, a maneira de governar de Lula conduz ao aprofundamento do abismo que nos separa de nós mesmos.


*Jornalista, pós-graduado em Filosofia, residente em Campos dos Goytacazes. Ficou conhecido nacionalmente por ter sido o primeiro jornalista preso por crime de opinião pós-Ditadura Militar, em 2003. O motivo foi um texto em que criticava a decisão de um juiz do município de Miracema, Noroeste Fluminense.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Ligações perigosas

Na toca com o lobo

Fausto Wolff

A nossa elite rouba. Cá entre nós, se déssemos à elite sueca os mesmos incentivos que damos aos nossos bancos, ela titubearia, mas não por muito tempo. Quando o roubo é parte fundamental do jogo - pensarão - quem não rouba vira trouxa. Há anos venho lhes dizendo: desconfiem das coincidências. Porque as coisas acontecem e desaparecem num tempo certo. Por que Sarney e Figueiredo ganharam seus anos extras? Por que Collor de M., que deveria estar num hospital para curar sua mania de grandeza, decidiu comportar-se como amador e ficar com a parte do leão-marinho? FHC cumpriu seus compromissos de vender a preço de banana uma terça parte do Brasil e hoje é um homem riquíssimo. E o sr. Luiz Silva, que viaja pelo mundo para coisa nenhuma, pois seu governo já estava previsto desde o primeiro dia do primeiro mandato? Eu, pessoalmente, acreditei que mais gente se desligaria do PT ao ver a suposta causa socialista transformada em nojenta caridade logo nos primeiros dias de governo.

Acompanhem meu raciocínio. O sr. Luiz Silva está há mais de quatro anos no poder sem fazer outra coisa senão distribuir dinheiro entre ricos e miseráveis. Os ricos (Fiesp, FNI) de São Paulo podem reclamar no atacado, mas, no varejo, o que se ouve é: "Estamos com o sr. presidente". Ele pode até muito bem não saber onde está, mas a graduagem sabe. Senão, vejamos: ninguém sabe quantos ministérios temos (tem um que só está aí para receber no presente, funcionar no futuro - o longo prazo) e ninguém sabe para onde vão os bilhões arrotados todo dia na TV.

A verdade é que o nível da imprensa mundial baixou muito, principalmente o da americana, que, durante quase seis meses, acreditou que Saddam tinha realmente armas nucleares. Mas o pessoal da pesada deve estar fazendo pipi nas calças de tanto rir: quase cinco anos de governo e quase uma dezena de Comissões de Inquérito, que paralisaram o governo, puniram três pessoas (sem cadeia, é claro) e reelegeram o mesmo presidente, que já fala que não existem duas sem três.

Outro lobo rosna na escuridão, o militar, cada vez que alguém fala em punir os crimes cometidos durante a ditadura milagrosa, que acabou juntando num mesmo partido as esquerdas e as direitas. Nem todas as Forças Armadas colaboraram com a ditadura, mas os descontentes falam do Clube Militar sem respeitar as instituições por onde passaram tantos heróis que não se enlamearam junto com os torturadores. Um jornal paulista publicou, há algumas semanas, um artigo assinado por dois capitães de Mar e Guerra, Luiz Carlos de Souza Moreira e Fernando de Santa Rosa. Eles se perguntam por que o Comando Militar se põe em defesa daqueles que torturaram e executaram presos que não podiam reagir, abusaram sexualmente de homens e mulheres e ocultaram cadáveres.

Eis, sintetizando, o que disseram os dois capitães de Mar e Guerra em reportagem publicada na Folha: "O ideário do chamado 'capitalismo selvagem', que ungia as ações da nova ordem mundial, sob a liderança dos EUA, exigia que fossem contidos todos os governos que, politicamente, demonstrassem uma posição antagônica a seus interesses e mostrassem preocupações com as questões sociais dos seus povos. (...) Prevaleceu a 'velha cantilena', que deu origem à ridícula história de que 'era preciso impedir o avanço do comunismo internacional'. (...) Só para lembrar, no Brasil estava em vigor uma Constituição que proclamava a liberdade de pensamento. E exercia a Presidência da República, de modo legítimo, o senhor João Goulart. O que se lamenta é que a muitos dos nossos colegas, à época jovens oficiais, (...) foi ensinado, durante a ditadura, que a ideologia da segurança nacional se sobrepunha a qualquer outra. Passaram anos sem liberdade, (...) sem o direito de professar qualquer credo político que não fosse afinado com esse pensamento, porque, se o fizessem, seriam 'demonizados'."

Duas forças precisam estar bem unidas para se gerir um golpe. Como em 1964, quando tínhamos, de um lado, um governo medíocre, cercado de traidores, e Forças Armadas e carentes. Do outro, os interesses americanos e a força da imprensa, sobretudo a TV. Ocorre que um canal é uma concessão do governo. Sem o nihil obstat do governo, uma quarta parte da Câmara e metade do Senado ficarão sem o que precisam para eleger quem quiser em suas regiões. E é por isso que está pegando tanto o caso Renão-saí-mas-só-estou-dando-uma-volta. Que forças extraordinárias tem este homem? Que segredos civis e militares conhece para paralisar um país continental? A princípio, ele e seus aliados têm estações de rádio e TV nas mãos e as notícias, principalmente, quando deturpadas, chegam ao povo e o povo comprado, enganado, explorado, gongado, vota.

Os militares e a imprensa - TV Globo mesmo ainda não operando à frente - convenceram a classe média de que algumas centenas de comunistas tomariam o poder com o beneplácito de Jango. Com navios de guerra americanos ancorados pertinho da Praça Mauá, nunca foi tão fácil transformar uma democracia com alguns defeitos numa ditadura com todos os defeitos. Os jovens oficiais não se deram conta do que estava ocorrendo e fizeram o que lhes fora ensinado toda a vida: obedeceram sem pensar. Quarenta e três anos depois, se quiserem alegar comunismo, terão de alugar umas três Kombis para levar uns 20 velhinhos como eu, que não agüentarão as porradas até o Doi-Codi. Hoje a desculpa será a roubalheira e a impunidade totais. Estou com medo, mas me seguro nas palavras dos capitães de Mar e Guerra: "Golpe, não".


*jornalista e escritor



Ps.: O escritor e jornalista Fausto Wolff foi convidado para colaborara com este blog. Por motivos de saúde, não teve condições de apresentar originais, mas gentilmente permitiu a republicação dos seus artigos publicados no Jornal do Brasil. A isto, o Lagos Alternativa, carinhosamente, agradece.

Cabo eleitoral

Paulo & Pauladas

Paulo Freitas


Houve nos Campos dos Goitacás e adjacências um candidato a vereador que, corpo a corpo, cabalava votos com o slogan “Vote em mim que roubarei para nós dois”. Os eleitores riam e estimulavam o candidato:

- Este é o homem, vai logo aos finalmente. Quer se eleger pra roubar os cofres públicos e dividir com seus eleitores.

As pesquisas indicavam que o despudorado candidato seria o mais votado, ameaçando a reeleição de Carlito, o prestigiado líder do governo na Câmara, que receoso de um revés, mandou buscar Teobaldo no “escritório”. Era como se referia à quitanda do velho Amaro do Capão. O cabo eleitoral deu uma valorizada.

- Se o doutor vereador quer falar comigo, que venha aqui, que é pra me dar prazer na hora que for embora.

E se escangalhava de rir. Todo gabola, Teobaldo se vangloriava de ter descoberto a razão pela qual sua presença era tão requisitada. Certo da presença, Teo já havia convocado quase todos os moradores do bairro, especialmente os votantes.

- Pinga e cerveja por conta do vereador, ma só para quem apresentar o título de eleitor. Se não for eleitor não vai beber – ameaçava.

Enquanto esperava, Teobaldo distribuía simpatia. Queria demonstrar poder. A língua de Nezinho comichava, tal a vontade de falar umas verdades para o colega. Depois que entornou o quinto copo de pinga, Nezinho empolgou-se, já com a língua dormente e enrolada.

- Zeobaldo, o povo zaqui zirou a casaca. Zá todo mundo pensando em votar no ladrão.

- Mas não é esse o nosso canditaod, homem? – confundiu-se, imaginando que Nezinho fazia alusão a Carlito.

- É noutro ladrão, Zeobaldo, um candidato lá da Baixada da Égua. O nome dele é Ladrão ,mezzmo. O povo zaqui canzou de zer enganado – concluiu o colega.

Todos concordaram em virar a casaca, acreditando que depois de eleito o Ladrão da Silva voltaria para dar a parte que lhes cabia. Não podiam imaginar que o dito cujo candidato acabava de adentrar o recinto e procurando justamente por Teobaldo, de quem tivera as melhores referências. Após os cumprimentos, o candidato atacou:

- Quero um particular com o dileto amigo – insinuou-se, de boquinha na orelha de Teo. – Trago aqui uma proposta para você ser coordenador geral de minha campanha.

- Duas coisas matam de repente: tiro pelas costas e político ladrão de frente. Entro nessa não, senhor – rebateu o cabo eleitoral, maldizendo a hora que aceitou um adiantamento financeiro de Carlito. Ainda assim, o candidato não desistiu. Resolveu pegar uma carona naquela concentração de almas à sua frente. Acreditava que Teobaldo se renderia ao seu talento.

- Povo do Capão, para cada escola que eu vou construir, será uma cadeia que nós vamos fechar. Votem em mim, pois roubarei para nós todos. Ladrão por ladrão, vote nesse irmão. O mal desse prefeito não é falta da persistência, mas sim a persistência na falta. Vamos mudar, vamos romper com esses políticos que comem sozinhos, que não distribuem uma migalha dos bilhões que amealham com seus eleitores. Quem roubou, roubou; quem não roubou não rouba mais.

O povão delirava, enquanto um vistoso quarteto de moças em trajes sumários distribuía os santinhos do candidato, cuja logomarca era um bem nutrido gato deitado sobre um monte de dinheiro, com a indefectível expressão “colaboração de amigos”, para burlar a justiça eleitoral.

Teobaldo sentia-se impotente diante da verborragia do candidato que brilhava na seara alheia e pressentia que eu rebanho havia se desgarrado. Mas eis que Carlito chegou no possante chapa branca. Nunca ninguém soube pra quem foi a estrepitosa vaia que se seguiu, se para a chegada de Carlito ou para o orador que concluiu sua fala com um “tenho dito”.

- Candidato ladrão devia ter só dois dentinhos, um em cima e outro embaixo. Um para ficar doendo dia e noite sem parar, outro para abrir garrafas e cerveja aqui na quitanda – atacou Teobaldo. A platéia aplaudiu. Carlito gostou. E Teobaldo foi em frente:

- Vereador ladrão deixa a Prefeitura sem dinheiro e o povo sem vergonha na cara. Meu amigos do Capão, este candidato ladrão que fechar as cadeias para não ver ele mesmo o sol nascer quadrado, tá legislando em causa própria. Se ladrão fosse dinheiro, ele seria uma nota de três cruzeiros, posto que é falso, é matreiro. É o candidato-carvão, que suja e queima seus adversários... Acaba de chegar o verdadeiro defensor do nosso bairro, o vereador Carlito, o pai dos pobres, o amigo certo... – e foi por aí, sempre muito ovacionado.

Mantalmente, Carlito calculava quanto haveria de lhe custar tamanha prosopopéia. Seu sorriso era uma careta de preocupação. Teobaldo aproveitou para demonstrar que havia rejeitado uma proposta milionária para trair Carlito.

- Prefiro receber um milhão das mãos de Carlito, porque sei que a procedência é boa, que é dinheiro ganho honestamente, a receber os 10 milhões que esse tal de Ladrão me ofertou, obtidos por meio da espoliação dos cofres públicos. E digo mais, senhores, meu gadinho: se ser ladrão é bom, porque então só existe esse ladrão-candidato?

Carlito quase teve uma sincope. Teobaldo exagerou na pedida. Alguém gritou:

- Prendam o Ladrão!

- Prender, não! Vamos dar uma coça de pau nesse salafrário – exagerou um outro.

O candidato da Baixada da Égua desapareceu no ar, deixando pra trás as moças que panfletavam, imediatamente incorporadas por Carlito à sua camapanha. Todos cumprimentam e elogiam o vereador Carlito. A muito custo, Teobaldo arrancou seu líder político dos assédios para confabular num canto da quitanda.

- Faz um checão generoso aí, Carlito. Mas bota zero a balde, bota zero à direita à vontade porque reusei uma grana preta para ficar contigo. A coisa tava feia pro teu lado – apelou o assessor.

- Quantos zeros? – arriscou-se a perguntar.

- Pelo menos uns seis – exagerou Teobaldo.

- Negócio fechado, mas se você dividir em duas parcelas.

Teobaldo topou, claro. Afinal, era dinheiro demais.

- Vou fazer dois cheques; com um e três zeros para agora e outro com mais um e três zeros pro mês que vem...

Emocionado, o assessor nem reparou nos valores, guardou-os no bolso confiante como sempre o fez. Ao se despedir do chefe político, Teobaldo segredou em tom de recomendação:

- Carlito, às vezes a gente conta um mentira e ninguém foca sabendo. Gostei de ver sua conduta aqui hoje. Até um imbecil passa por inteligente quando fica calado.

O vereador agradeceu orgulhoso e foi bater noutra freguesia.





* Jornalista e escritor

sábado, 10 de novembro de 2007

Mas que bobagem, as rosas não falam

X-Tudo
Cacau

Em marketing, percepção é mais importante que realidade. Ficou conhecido no Brasil, o caso da Kaiser no Rio de Janeiro, que, num dado momento, acabou rejeitada pelo consumidor a ponto de ser, com o tempo, completamente alijada do mercado. Até hoje não encontrou o caminho de volta. Ora, quem conhece cerveja sabe que as cervejas Pielsen têm todas a mesma origem e, com pequenas exceções, são fabricadas mais ou menos do mesmo modo. Não há diferenciais relevantes de produto. Eu mesmo já conduzi alguns “blind tests” – os chamados testes cegos – entre as principais marcas de cerveja do país e, por curiosidade, da última vez, coloquei a mesma cerveja fazendo o papel da marca A, da marca B e da marca C. Precisavam ver. Ora idolatravam a A e detestavam a B, ora amavam de paixão a C e odiavam a A. Um espetáculo digno dos melhores picadeiros.

O que estou querendo dizer – mal comparando - é que, em épocas de eleição – salvo algumas poucas exceções – os candidatos meio que perdem a estribeira e tentam se fazer passar por criaturas tão cândidas quanto, digamos, Madre Tereza de Calcutá ou tão eloqüentes quanto Cícero no senado romano. Ficam ridículos. Há ainda os que se escondem atrás dos próprios gabinetes e os que tentam mudar as aparências na expectativa de, com isso, rejuvenescer a própria personalidade. No fundo, são todos mais ou menos da mesma origem. E poucos resistiriam a um teste cego. (tenho dúvidas se alguns encontrarão o caminho de volta).

Não adianta tapar o sol com a peneira. O povo, que definitivamente não é bobo, sabe separar o joio do trigo, o que é verdade do que é engodo, o que é puramente percepção do que nada tem a ver com a realidade. Sabe que estará sendo testado o tempo todo. Sabe que lhe estarão prometendo coisas mirabolantes como pencas de bananas e dúzias e dúzias de rosas. Mas que bobagem, as rosas não falam...
*Publicitário e jornalista

Sétima Arte - Um filme e o obscuro humano




Por Alexandre Bastos


O poeta inglês William Blake dizia que o ser humano encerrou-se em si mesmo, a ponto de ver tudo pelas estreitas fendas de sua caverna. A verdade é que temos uma grande facilidade para julgar, condenar, humilhar e diminuir nossos semelhantes. Sem saber que tudo passa pelo nosso filtro interior. Então, quando atacamos alguém, estamos despejando nossos medos e frustrações em uma pessoa que reflete o que somos. Não é o outro, é o "eutro".

Ao ver "Crash – No Limite", filme vencedor do Oscar 2006, o espectador tem a oportunidade de ver além das fendas de sua caverna. O filme é o retrato dessa sociedade que aparenta modernidade, mas que no fundo continua preconceituosa, rancorosa e arcaica. Vemos muitas pessoas rezando, bancando as boazinhas, mas que precisam de muito pouco para mostrar que não passam de farsas ambulantes. Uma das frases de divulgação de "Crash", diz: "Você pensa que conhece a si mesmo? Você não faz idéia". E o diretor e roteirista Paul Haggis mergulha nas profundezas e anda pelos corredores escuros da mente humana. Haggis,que possui vasta experiência na televisão americana, surgiu no cinema ao escrever e produzir o premiado "Menina de Ouro", de Clint Eastwood,que lhe rendeu uma indicação ao Oscar de roteirista.

A idéia de "Crash" surgiu quando o próprio Haggis se envolveu em um acidente automobilístico. Aos poucos ele foi entrelaçando diversos personagens sem aparente conexão na cidade de Los Angeles. A história é desenvolvida de forma direta e faz com que os espectadores se identifiquem com as situações apresentadas. Uma, em especial, é marcante. A rica dondoca interpretada pela Sandra Bullock humilha um chaveiro. Na cena, vemos uma mulher frágil que encontra naquele homem uma forma de dar vazão as suas frustrações.

"Crash" apresenta policiais e ladrões, ricos e pobres, poderosos e indefesos. O filme e concentra em pequenos núcleos que aos poucos vão se entrelaçando. O rico casal negro que entra em conflito ao sofrer uma abusiva revista policial. O promotor oportunista e sua esposa fútil. A família persa que, após 11 de Setembro, tenta se manter em um país que os vê com desconfiança. Além de uma dupla de jovens negros assaltantes. Não há espaço no roteiro para personagens principais. Todos são relevantes na mesma proporção. O diretor extraiu performances arrebatadoras do elenco que conta com: Matt Dillon, Sandra Bullock, Don Cheadle, Ryan Phillippe, Brendan Fraser e Thandie Newton.

É bom ver um filme que coloca o dedo na ferida que todos tentam esconder. A maioria das pessoas não fala, desabafa; não cobra, exige; não conversa, impõe; não questiona, ataca; não pede, manda. E assim a cada dia que passa, vamos nos afastando dos outros e de nós mesmos. Evitamos aproximações por achar que estamos correndo riscos. Não estendemos a mão para não correr o risco de um envolvimento maior. Não expomos nossos sentimentos para não mostrar quem realmente somos. Só que viver é arriscar-se a morrer. Evitar os riscos e viver numa redoma de vidro é desperdiçar a chance de aprender, crescer, mudar e amar. Dar um passo em direção ao próximo pode fazer com que a gente perca os sentidos por algum tempo. Mas ao ficarmos estáticos, não perdemos apenas os sentidos, perdemos a vida...
*jornalista

Somos malucas porque pensamos demais

Roberta Costa

Quando meu amigo Thiago Freitas (idealizador deste blog) me mostrou o projeto do Lagos Alternativa logo o questionei: e eu, vou fazer o que? Afinal, não poderia ficar de fora de um projeto tão bacana de uma pessoa que tenho o maior respeito e admiração. Na mesma hora ele disse que eu poderia escrever sobre o que quisesse. Então, a minha resposta já estava pronta e como num impulso respondi: quero escrever sobre comportamento feminino. Mas confesso que também fui um pouco mais além, disse para ele que queria mostrar como nós mulheres somos malucas (foi esse mesmo o termo que usei). Ele, Thiago, mostrou ter gostado da idéia, mas depois de ter me dito que eu poderia escrever sobre qualquer coisa... que bom que aceitou.

Depois disso, minha cabeça ficou a mil, comecei a pensar nos mais variados temas que poderia abordar, afinal o objeto de estudo é riquíssimo... Mas, passada a euforia do primeiro momento, veio a tensão: será que vou dar conta? Será que vão gostar da minha coluna? Será que terei temas interessantes? Será? Será? Será? A essa altura já estava apavorada.

Então, para tentar aceitar e a idéia de verdade, resolvi comentar com um amigo sobre a minha nova empreitada: assinar uma coluna escrevendo sobre as nossas deliciosas maluquices. Além de rir, é claro, ele prontamente respondeu: “vocês são malucas porque pensam demais!” Como não podia deixar escapar uma opinião masculina, aproveitei para questioná-lo como deveríamos ser. A resposta? Um simples e objetivo: “vocês têm que parar de pensar e agir, só isso”. Depois de ler isso (a conversa foi pelo MSN) vocês já devem imaginar o que eu fiz: comecei a pensar sobre a opinião dele.

Pensei porque pensamos tanto? Será que é errado pensar? Será que os homens realmente nos acham malucas só porque pensamos? Mas se pensamos é porque queremos que tudo seja perfeito, sem surpresas... E eles, não pensam? E eles pensam que são quem? Ou melhor, será que eles pensam? Calma meninos, a idéia da coluna não é criar um espaço para as moças reclamarem dos rapazes. Não estamos aqui para criar desavenças, muito pelo contrário... se é que vocês me entendem.

Depois de muito pensar, comecei a acreditar na teoria do meu amigo, afinal, não é muito difícil comprová-la. Vou lembrar alguns momentos para vocês terem uma idéia.

Roupa - Se vamos comprar uma roupa, nada demais, apenas uma pecinha para afagar o nosso ego, experimentamos mil coisas, não conseguimos decidir se estamos precisando de uma calça, de uma blusa, saia, short... afinal, são peças bem similares, né? Pensamos peça por peça, olhamos tudo, gostamos de tudo, detestamos de tudo no nosso corpo e resolvemos buscar em outra loja. No final das contas, exaustas, resolvemos voltar para aquela primeira loja, onde tinha uma blusa ma-ra-vi-lho-sa. Pena, que só conseguimos chegar a essa conclusão depois de um dia inteiro de muita “bateção” de perna. Tudo bem, não é nenhum esforço tão grande, mas... poderíamos ser um pouco mais simples e objetivas.

E quando precisamos encontrar uma roupa especial para aquele primeiro encontro tão esperado? Experimentamos as mais de 50 combinações do nosso guarda-roupas, vasculhamos o armário da irmã, tentamos encontrar alguma pecinha da prima, pedimos socorro para as amigas e nos damos conta de que ninguém tem absolutamente nada que esteja a altura daquele momento tão especial e indescritível. E mais, nem precisa mencionar que passamos o dia inteiro pensando na roupa que íamos vestir, na maquiagem, nos acessórios...

Telefone – Arrepiou só de ler essa palavrinha? É queridas, eu acho que piramos quando estamos diante desse objeto. Se queremos ligar para o gatinho apenas para sugerir uma saída à noite o nosso coração pula pela boca e a nossa mente não descansa um só minuto: o que ele vai achar de mim por estar ligando? Será que serei oferecida? E se ele não atender a ligação? E se atender? E se ele não aceitar o convite? E se ele aceitar? O que eu faço? O que eu falo? A essa altura ele já atendeu e desligou o telefone uma vez que ninguém respondeu ao ‘alô’ dele.

E quando o telefone toca? Você olha no visor do celular e lá está o nome que você mais queria ver piscando no seu aparelho. Enquanto o “bicho” esperneia para ser atendido, somos invadidas por pensamentos no mínimo insanos: o que ele quer? Será que vai inventar mais uma desculpa para não sair hoje à noite? Será que está ligando para pedir para eu nunca mais procurá-lo? Será que ele quer me dizer que encontrou a mulher da vida dele e que essa não sou eu? Será? Será? Quando essa avalanche de pensamentos passa, percebemos que a ligação ficou perdida, pois não conseguimos atendê-la, afinal às vezes ficamos paralisadas com os nossos pensamentos e como o meu amigo disse, deixamos de agir!

Para nós mulheres é delicioso pensar, acho que antecipamos as emoções e nos certificamos de que tudo vai dar certo, mesmo sabendo que tem tudo para dar errado. Pensando bem, só para contrariar o meu amigo, se os homens agem mais, por que será que sempre pensamos que eles não fazem nada? Ficam parados à espera dos nossos movimentos, estes, é claro, que só serão executados depois de pensarmos muito bem.
São nesses momentos que constato como somos loucas, malucas mesmo. Mas tenho certeza de que são essas nossas deliciosas insanidades, que fazem de nós peças únicas e raras, sem contar que depois que o sofrimento passa (como o de não encontrar uma roupa perfeita) tudo isso se torna uma grande e divertida história para dividirmos com as amigas.

Pensando bem, vamos continuar pensando muito...


*jornalista e editora-chefe do jornal Folha dos Lagos

Falar certo

Eraldo Mai

Estava eu recém-chegado ao Arraial (ou a Arraial?) do Cabo, já faz quase trinta anos, quando, no dia seguinte a minha mudança, (eu vinha do Rio de Janeiro), fui à Praia Grande, bem perto da casa onde morava. Lá conheci um pescador, “seu” Cunha, grande e doce figura. Entre as tramas de uma enorme rede, ele consertava os estragos feitos pelas mantas dos peixes, nela, de quando em vez, aprisionados.

Pusemo-nos a conversar animados. Sempre fui considerado um bom interlocutor, porque me agrada escutar, falo mais do que ouço, e os muito falantes, como o amigo que eu acabara de conhecer, apreciam os que os ouvem atentos. Pois assim ficamos por largo tempo. A conversar. Eu ouvia com o júbilo natural dos que fazem novas descobertas, com o encanto dos que se inteiram de novas realidades. “Seu” Cunha era muito loquaz, sua prosa corria solta, deslanchava, escorregava entre risos espontâneos, e nós nos deixávamos ficar ali, iniciando aquela que seria uma sólida e definitiva amizade.

A horas tantas, o velho pescador, que teria, naquela ocasião, um pouco mais dos anos que tenho hoje, me diz para minha surpresa: “Professor, eu não sei falar”. Não entendi. Como não sabia falar, se falava comigo havia mais de uma hora? Externei, então, meu espanto, ao que ele me disse: “Não sei falar certo”.

Agora eu percebia a razão pela qual aquele homem tão educado, tão respeitoso, tão afável, tão receptivo a um “forasteiro” me dissera que não sabia falar, embora falasse, e muito. É que ele supunha que sua fala fosse de uma categoria inferior à minha, uma vez que eu me apresentara a ele como professor da nossa língua. Ele julgava que a sua fosse uma fala errada, em virtude de caracterizar-se por inúmeras peculiaridades que são próprias ao falar cabista. Ele introjetara a falsa noção de que algumas pessoas falam de um modo certo, e outras, de um modo errado. Mas não é assim. As pessoas falam de modos diferentes, e, se sua fala é o meio pelo qual elas se comunicam com os membros de sua comunidade, as diferenças não passam de diferenças.

É certo que há falas socialmente prestigiadas, enquanto outras se desqualificam. Os falantes dos grandes centros urbanos do Sudeste, por exemplo, supõem que a sua seja a fala correta, sendo incorreta a fala dos homens do interior ou das populações de pequenas cidades litorâneas, como Arraial do Cabo.

Nesta (escrevo de Arraial) outrora vila de pescadores, o falante nativo, ao pronunciar uma palavra como “manteiga”, realiza a consoante /t/, anteposta ao ditongo /ey/, de maneira chiante, além de tornar o ditongo uma só vogal: algo assim como “mantchega”. Os cariocas veranistas acham uma graça imensa nisso, ou mesmo fazem de tal prosódia alvo de sua zombaria. Esquecem-se de que realizam, na sua fala carioca, como “tchiatro” a palavra “teatro”, tornando a consoante /t/ idêntica à de “mantchega”. Não se dão conta de que se trata do mesmo fenômeno, chamado tecnicamente de alofonia (variante do fonema). Antes da vogal /i/, (e os cariocas realizam o “e” de teatro como /i/), sempre ocorre essa alofonia na fala dos falantes do Rio. Não é assim, como o sabemos, em todo o território brasileiro. Mas o Rio já foi a capital do país, é um grande centro cultural, uma cidade cosmopolita, e, forçosamente, todos os que falam a fala carioca julgam falar uma fala certa, ao passo que os pescadores mais antigos de Arraial do Cabo, uma cidadezinha cuja população não encheria o outrora maior estádio de futebol do mundo, o Maracanã, devam falar uma língua estropiada, rude, inculta, pobre, desprezível.

Trata-se de uma concepção elitista e autoritária, anticientífica e profundamente antipática, especialmente uma concepção que gera atitudes em que falta o amor ao próximo. A língua é um instrumento para a comunicação entre os seres humanos. Ora, independentemente de o discurso ter-se organizado de acordo com um padrão normativo ideal, desde que haja entendimento nessa comunicação, os usuários da língua estão certos.

Lembro-me de uma referência feita num livro de Magda Soares. O cenário é o de uma sala de aula de escola pública. Os alunos são, evidentemente, oriundos das classes populares da sociedade. A professora quis saber quem fizera o dever de casa. Um menino lhe diz: “Ninguém não fez o dever, tia”. Revolta-se a moça com a criança. Então é assim que se diz, “ninguém não fez”? E ensina o que é correto ao aluno: “ninguém fez”. Justifica sua correção alegando que “ninguém” e “não” são palavras de sentido negativo. Ora, duas negações se tornam uma afirmação. Dizer que ninguém não fez é dizer que alguém fez. Verificando que ninguém havia mesmo feito a tarefa que passara, a professora comenta em alta voz: “É, ninguém fez nada”. Como? “Ninguém fez nada?” Não há, por acaso, em tal sentença, duas negações? Segundo o raciocínio lógico da professora, se ninguém fez nada, alguém fez alguma coisa, já que “o nada” “o ninguém” fez.

Então começamos a perceber a riqueza da língua, suas nuances, suas particularidades, sua força expressiva. Pode ser que, de um ponto de vista lógico ou matemático, duas negações se anulem, passando a afirmar. O mesmo não ocorre em português, porque duas negações enfatizam a idéia negativa. Suponhamos que alguém me pergunte se fui à praia no último fim de semana e eu responda que não fui não. Teria eu, porventura, ido, já que neguei o não ter ido, repetindo a negação? Todos entendemos nitidamente que, repetindo a palavra “não”, estou intensificando a idéia negativa. Por isso, o poeta Fernando Pessoa escreve: “Não sou nada”. E Vinícius de Moraes, na letra de “Samba em Prelúdio”, afirma: “Sem você, meu amor, eu não sou ninguém”. A aceitarmos como plausível a idéia de que as negações se anulam, estaria o poeta dizendo que, sem a amada, ele era alguém, já que não era ninguém?

Por que motivo a professora reprova o procedimento lingüístico de seu aluno, que dissera “ninguém não fez”, e não percebe que o argumento desqualificador da fala da criança poderia ser utilizado para desqualificar a sua (dela) fala? Muito provavelmente porque pessoas da classe social da professora falam assim (“Ninguém fez nada”), mas não falam “Ninguém não fez”. Isso é tudo. Se pessoas do meu grupo social, da classe a que pertenço, pessoas do meu nível de escolaridade falam de determinada maneira, essa é a fala normal, a fala correta. Se pessoas de estratos sociais inferiores falam de maneira diferente da minha fala, estão falando errado.

Em verdade, em verdade lhes digo. Ninguém está falando errado. Ninguém não está falando errado. “Seu” Cunha sabia falar sim. E sua fala, de uma pessoa simples, afetuosa, era uma fala agradável, verdadeira, sem atitudes estudadas para agradar, mas que agradava naturalmente.

Dizer “nós vai” não está errado. É apenas diferente de dizer “nós vamos”. Afinal, as duas sentenças, distintas na forma, são idênticas em seu conteúdo semântico. A desinência (–mos) aponta para o agente do processo verbal (ir), repetindo aquilo que já o fizera o pronome “nós”. A informação é, por conseguinte, a mesma. Onde está o erro?

Quer dizer, então, que não existe uma fala incorreta? Até existe: é a fala mentirosa, a fala que tem por intuito iludir, enganar. A fala dos que usam as palavras não para a edificação de uma convivência fraterna entre os homens. A fala dos hipócritas, dos fariseus.

Não defendo, evidentemente, a idéia de que os falantes das classes populares não tenham acesso à variedade dita culta da língua. É um direito seu. Como também é um direito aquele que têm de ver sua variante lingüística respeitada pelos que falam de maneira diferente da sua. A beleza de uma língua, afinal, está nessa diversidade de usos, nessa manifestação plural, viva, levando-nos à compreensão e aceitação das diferenças.

*Poeta e professor de Língua Portuguesa da Ferlagos

Eraldo Mai - Conversos


Celebração

já despertos os
pássaros
com mantras me despertam
celebrando este dia

pássaros que me ensinam:
o dia recém-vindo
é Deus que me visita

do sono saio então
me banho de água fria
sou pássaro e recito

o mantra que medito
depois me visto e vou
para o encontro do dia

lá no caminho encontro
mais pássaros: pessoas
celebra-se a harmonia

e o encontro das pessoas
nessa celebração
torna-se então poesia

_________________



Declaração de Amor

eu amo a Deus
como a terra
ama a chuva
que a faz grávida
da possibilidade do fruto

eu amo a Deus
como o pássaro
ama a árvore
em que se abriga da noite
e que o nutre do fruto

eu amo a Deus
como a estrela
ama o céu infinito
lá brincando entre as outras
o cósmico brinquedo

eu amo a Deus
como a criança
ama aquela
que de afeto a nutre
ama aquela que é mãe

como tudo que vive
ama a fonte
em que surge
e está sendo

assim
assim eu amo
assim eu amo a Deus

*Eraldo Maia é poeta e professor de Língua Portuguesa da Ferlagos



Paulo Brunner

EM 1964, POR MUITO MENOS, HOUVE UM GOLPE MILITAR

Estamos passando por momentos extremamente preocupantes. Isto pode parecer exagero, mas, a bem da verdade, o país está mergulhado numa crise moral e política jamais vista. O que se passa no Congresso Nacional não tem mais adjetivos para caracterizar a casa da Mãe Joana em que aquilo se transformou. Esta discussão idiota sobre a aprovação da CPMF é uma demonstração tácita de como os senhores senadores nos tratam como bobos, como se fôssemos todos acreditar que estão realmente preocupados com o povo. Barganhar a aprovação do projeto em troca de diminuir a sua alíquota no futuro, entre outras propostas espúrias, é pura cortina de fumaça. A CPMF será prorrogada sim e estamos conversados.
Os fogos de artifício que saudaram a liberdade dos soldados da PM que estavam presos por suspeita de colaborarem com traficantes e criminosos é a prova cabal do deboche e do desrespeito que boa parte da polícia nutre pela população que a paga para ser protegida. Enquanto isso, a bandidagem deita e rola.
Como se não bastasse, nosso venerado presidente ousa afirmar que não existe crise energética no Brasil. Tudo vai muito bem e até 2012 vai sobrar energia. Enquanto isso trata a Petrobrás como se fosse propriedade sua e que a empresa vai atuar do jeito que o Governo determinar. Lula, do alto de sua inequívoca sapiência de botequim, esqueceu que existem 49% de acionistas que não concordam com tamanha imbecilidade. Pior: depois de levar um pé na bunda do cacique Evo Morales, vamos investir novamente na Bolívia até que Hugo Chávez volte a mandar expropriar tudo de novo.
Um país em que os bancos são as empresas mais lucrativas, em que bandidos possuem armas mais poderosas que a polícia e que trata vagabundos invasores de terras como cidadãos de bem, não passa de um paiol de pólvora que pode explodir a qualquer momento.

A MÃO QUE AFAGA É A MESMA QUE APEDREJA

Marquinho Mendes, quando candidato a Deputado Estadual, espalhou um “folder” pela cidade em que dizia que trouxera a UFF para Cabo Frio. Mal tomou posse, mandou acabar com o convênio e expulsou a UFF da cidade. O povo de Rio das Ostras riu e agradeceu.

ATÉ PARECE QUE CABO FRIO NÃO PRECISA DE MAIS HOTÉIS

Quando era Secretário de Turismo do Prefeito Alair Corrêa, Carlos Victor lutou bravamente para tornar os terrenos ainda desocupados da orla da Praia do Forte, áreas exclusivas para a construção de hotéis. Parece que mudou de idéia ou perdeu a guerra: num dos terrenos será construído um imenso prédio de apartamentos, muitos dos quais de quarto e sala.

QUE FIM LEVOU?

O Programa de Regularização de Logradouros e Endereçamento Imobiliário, criado por nós para acabar com a desorganização postal de cabo Frio foi abandonado pela Prefeitura. Vai ver, não servia para nada mesmo.

*professor

Carta aberta a uma alfabetizadora

Guilherme Guaral

Querida Tia Lúcia,

Escrevo esta carta, pois estou com saudades. A última vez que te escrevi foi há quatro anos. Engraçado que mesmo depois desse tempo todo ainda continuo a te chamar de Tia. É, você foi para mim e tenho certeza para todos os seus alunos a TIA Maria Lúcia. Li numa Revista sobre Educação que alguns pedagogos criticam essa forma de tratamento com as professoras. Achei essa conversa uma grande bobagem! Chamar de Tia demonstra carinho, afeto, proximidade. Aliás, sem esses temperos não dá para se aprender nada!

Você sempre foi a TIA Maria Lúcia. TIA em maiúsculo! Tudo que você fazia era maiúsculo! As brincadeiras de roda, as músicas e as histórias que você nos contava não saem da minha memória. Algumas vezes você apagava as luzes, fechava as cortinas ou tapava as janelas com papel celofane, a sala ficava mágica, toda colorida. Pegava o disquinho e colocava na vitrola. Nossa, como o tempo passou!.. O disquinho na vitrola portátil vermelha! Me lembro como se fosse hoje... A turma de olhos arregalados ouvindo as histórias do Sítio do Pica-pau amarelo. E num dia, você se vestiu de Tia Nastácia e levou uma travessa cheia de cocadas, pé-de-moleque e broa de milho. E fomos nós que íamos lendo as histórias do Lobato. Cada página, um aluno. Cada página uma aventura. Cada página um sonho e um doce. É porque quem caprichava na leitura ganhava um doce inteiro. Se lesse com preguiça, de qualquer maneira, só ganhava metade ou um farelinho da guloseima.

Acho que nosso desejo de aprender ficou misturado com o cheiro e o gosto das cocadas, bolos de fubá e pão de queijo.

E você nos conduzia, literalmente, de mãos dadas para aprender de tudo. Passeávamos pela escola, pelo bairro, pelas praças, nos mercados, nos asilos, sempre com nosso caderno e o lápis para escrever o que a gente quisesse. Como você nos dizia: O que desse “na telha”! Engraçado, sabe que eu sempre fiquei imaginando que ao invés de cabelos nasceriam telas nas nossas cabeças! O que der “na telha”! E a gente anotava tudo, quase tudo. As vezes não anotava nada, mas você notava e sentava com cada um e procurava saber o porquê daquela folha em branco. Aí você abria o seu ouvido e nós abríamos nosso coração. Quantos segredos, tristezas, alegrias, raivas, ilusões!Quantas paixões você ouviu e dividiu conosco.

Na semana passada encontrei o Deco. Hoje ele é capitão do exército. Conversamos muito, demos muitas risadas. Ele me contou que você foi muito importante na vida dele. Talvez você nem se lembre, afinal, são tantos alunos, mas quando ele perdeu a mãe num acidente de carro foi você quem lhe deu força, carinho, atenção. Olha, ele ia falando de você e os olhos ficaram cheios d’água. Ele tentou segurar, disfarçou, mas não deu. O Deco chorou. Não de tristeza, mas de emoção, saudades e gratidão a você. Imagina, que o Deco me disse que guardou um monte de desenhos da nossa época. É por que se nós nção escrevêssemos nada tínhamos que fazer um desenho, colar uma gravura. A folha em branco é que não podia ficar. E não ficava mesmo!

Querida TIA Maria Lúcia, tenho que encerrar essa carta. Meu filho caçula está querendo fazer os deveres de casa. Ele está se alfabetizando. Hoje vamos pesquisar gravuras da família do M. Tenho ajudado o máximo possível porque sei que esse momento é fundamental para que a paixão pela leitura apareça. Para que o gosto de escrever seja constante e para que não se perca o encantamento do mundo, porque a escrita é a nossa marca nessa vida! Isso você me ensinou. A ser um apaixonado pelos livros, pelas histórias e saber que sou capaz de expressar tudo o que eu sinto através das palavras. Isso eu nunca vou me esquecer e queria aproveitar essas últimas linhas para te agradecer pela paciência, pelo carinho, pela alegria que sempre você demonstrou conosco. Quero te agradecer também pelas broncas que quando merecíamos você nos dava. Como aquela em que só de bagunça derrubamos uma caixa de giz colorido no chão e pisamos em cima, amassando tudo. Subiu uma poeirada colorida. Pois é, você nos fez varrer tudo e guardar o pó do giz num saquinho plástico. Depois pegou umas lixas e começamos a fazer denhos com cola e o pó de giz. Para você tudo se aproveitava. Tudo tinha um porquê. Tudo fazia sentido!

Se estivesse aí do seu lado eu te cantaria uma canção, que sempre que ouço tocar no rádio eu me lembro de você, da sua luta, do seu compromisso com os alunos, com a escola, com a vida. Você sempre foi uma guerreira, uma fada, as vezes feiticeira, mas, sempre, sempre, sempre foi e será a nossa TIA Maria Lúcia.

Beijos do seu eterno aluno

Guilherme Guaral

• OBS.: A música que eu mencionei acima é esta:


Maria, Maria (Milton Nascimento e Fernando Brant)

Maria, Maria, é um dom, uma certa magia
Uma força que nos alerta
Uma mulher que merece viver e amar
Como outra qualquer do planeta
Maria, maria, é o som, é a cor, é o suor
É a dose mais forte e lenta
De uma gente que ri quando deve chorar
E não vive, apenas aguenta

Mas é preciso ter força, é preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria, mistura a dor e a alegria
Mas é preciso ter manha, é preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania de ter fé na vida


*Ator, professor e diretor do Teatro Municipal de Cabo Frio

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Lagos Alternativa – Uma nova opção em jornalismo (em breve)

Existe um novo jornalismo na Região dos Lagos. Uma nova proposta editorial. Uma imprensa de fato alternativa, independente e respaldada pelos benefícios que a internet, a grande rede mundial de computadores, trouxe à liberdade de expressão. É o que podemos chamar de democratização do direito de informar e de gerar opinião, de debater idéias, fazer análises sobre nossa sociedade, sem a interferência da chantagem imposta pelo poder público, que financia veículos de comunicação a troco de não virar alvo de críticas que possam macular a imagem de um ou outro governante.
Nossa idéia, a princípio, não é a de atacar, mas fiscalizar, com toda certeza. Queremos ser mais uma ferramenta no auxílio da manutenção da democracia, abrindo este espaço não apenas para nomes já estabelecidos no nosso meio de imprensa, como também às pessoas comuns que tenham algo a dizer, reclamar, informar, enfim.
O blog Lagos Alternativa visa estabelecer-se como a primeira revista eletrônica da Região dos Lagos, contando com uma variedade de temas, abordados por nossos colaboradores, sejam eles colunistas fixos ou aleatórios, pessoas do povo ou, simplesmente, nossos patrocinadores (que não são de nenhuma prefeitura local). A partir do próximo dia 10 de novembro, os leitores encontrarão nestas páginas muito mais do que informação. Encontraram um ideal de construir, através de uma imprensa livre, um novo conceito de jornalismo e um novo conceito de sociedade.
Sejam todos bem-vindos!