terça-feira, 13 de novembro de 2007

Lula e a ética do dominado


Esquerda, volver


Avelino Ferreira

Após observar o Governo Lula sinto reforçada a idéia de que precisamos de uma filosofia latino-americana. O operário-Presidente nada diz que nos dê uma perspectiva para sair do jugo europeu (mente) e americano (corpo), pois está reproduzindo o que aprendeu, ou seja, a ética do opressor ou a assimilação de tudo aquilo que desejam os dominadores. Lembremos que uma assertiva muito comum por aqui foi “o que é bom para os americanos é bom para os brasileiros”. Por isso continuamos a querer ser como eles, sendo este o caminho (único) do “desenvolvimento”.

[o dominado é levado a desejar ser como o dominador, o “adulto”. Não tem consciência de que jamais o será. Ao contrário, será sempre o escravo, criado e
mantido para servir
]


A questão a ser posta para um amplo debate, penso eu, é a da subjetividade do dominado. O dominado se vê como criança que um dia se tornará adulto. Seu desenvolvimento deve ser “natural”, entendendo-se “natural” o que o sistema eurocêntrico (e americanocêntrico) nos diz ser e, sendo eles os modelos de “adultos”, obviamente devemos ser como eles. Dessa maneira, o dominado é levado a desejar ser como o dominador, o “adulto”. Não tem consciência de que jamais o será. Ao contrário, será sempre o escravo, criado e mantido para servir.

É assim que age o dominado quando assimila a ética do opressor. E é assim que o opressor o mantém sob seu domínio, sem necessariamente tê-lo como colono. Até porque já o somos enquanto pensamento e enquanto entrega da nossa corporeidade. O nosso discurso é o do desenvolvimento, do consumo, do bem-estar a partir do consumo. Tudo, enfim, que o dominante quer que falemos e façamos. Ao assimilar tal discurso, seremos sempre dominados, vitimados.

Ainda há uma saída, pois os dominantes não eliminaram o “nacional” que há em nós. O que temos que fazer é assumir esse nacional, contrapô-lo à maneira pela qual nos enfiam goela abaixo a globalização e adotarmos uma ética própria, uma ética do dominado, da vítima, como propõe, entre outros, Enrique Dussel. Na verdade, o filósofo propõe uma ética global periférica e não nacional.

Com um novo pensamento, uma ética própria, por certo evitaríamos a perpetuação do eurocentrismo e do americanocentrismo e trilharíamos o nosso próprio caminho sem que tenham que nos dizer do que devemos gostar, qual modelo seguir, o que temos que pensar, mesmo quando nos insurgimos. Sim, pois até a insurgência ou o contradiscurso é-nos dado pelos opressores. Sequer nos perguntamos o porquê de adotarmos o mesmo sistema que nos escraviza. Talvez porque não tenhamos a consciência de que somos escravos.

Os europeus dominam as nossas mentes (é uma dominação formal) e os americanos dominam os nossos corpos (via práxis). Quando Lula fala em desenvolvimento, está claro que se refere ao desenvolvimento dos dominadores. Então, não temos perspectiva de liberdade, de uma vida que não seja a de robôs cujas memórias são limitadas pelos criadores do nosso pensamento.

Quando sustentamos a idéia de um contra-discurso à ética que nos foi imposta, utilizando argumentos extraídos da nossa raiz de dominados e não os argumentos que nos são dados pelos próprios europeus (e americanos), somos vítimas das vítimas que não se sabem vítimas. Enfrentamos a ironia dos cínicos e dos que ainda não entenderam que temos que fazer a negação da negação e olharmo-nos como o outro em relação ao europeu – americano. Por tudo isso, a maneira de governar de Lula conduz ao aprofundamento do abismo que nos separa de nós mesmos.


*Jornalista, pós-graduado em Filosofia, residente em Campos dos Goytacazes. Ficou conhecido nacionalmente por ter sido o primeiro jornalista preso por crime de opinião pós-Ditadura Militar, em 2003. O motivo foi um texto em que criticava a decisão de um juiz do município de Miracema, Noroeste Fluminense.

Um comentário:

Anônimo disse...

Professor Ferreira, como sempre avesso ao progresso exterior, a querer mudanças num passe de mágica. Ilusão não é virtude.

Por você, estaríamos na idade da pedra, catando gravetos, mas a Inteligência Universal impõe a evolução física e espiritual por suas leis naturais e imutáveis às quais todos estamos sujeitos, norte-americanos, europeus, asiáticos e sul-americanos, particularmente o Brasil.

Não perca de vista, caro amigo, que a humanidade conheceu a escrita dia desses, há apenas cinco mil anos. É pouco tempo se considerarmos que o homem apareceu na face da terra há 70 milhões, como bem comprova o fóssil do Proconsul encontrado por arqueólogos no século passado, do tamanho de um rato, que foi evoluindo até à condição de homem de Neandertal, antecessor do majadíssimo australopiteco com seu um metro de altura, o homem ereto, há 35 milhões de anos, que em sequer gruía. A raça humana começou na África negra, Avelino, que hoje é o lixo do mundo.

Não se pode tratar de antropologia desprezando as eras de evolução e os povos que as instituíram. Há 30 milhões de anos o homem aprendeu a linguagem dos gestos e demorou outros milhões de anos (mais uns cinco) para aprender e entender a fala e assim se comunicar pela voz. Em termos de comunicação, que é o processo mais eficiente (eu acho que é o único) da espécie humana evoluir, tivemos muitas eras: dos gestos, da fala, dos sinais, da escrita, da imprensa (essa com cerca de 500 aninhos), do rádio, da televisão e agora a era da informática (e não vai ficar por isso só), pois a evolução independe do homem, é inexorável segundo as leis naturais.

Ora, professor Ferreira, os costumes de um povo são objeto de estudo antropológicos. Reclamar que o povo vive sob o jugo americano-europeu é o mesmo que reclamar do calçado que nos protege os pés. Não será num piscar de olhos, num toque de varinha mágica que uma mudança irá se operar. E nem pela filosofia, que muito aprecio, se queres saber, quando ao invés de debater o saber e a ciência instituída por povo se questiona seus aspectos antropológicos. O dia chegará que o brasileiro será independente, daqui a muitas reencarnações nossas.

Não aceito que se aborde questões sobre o homem e a sociedade sobrepondo filosofia à antropologia. É construir a casa pelo telhado. A dependência que se tem do eixo americano-europeu é coisa recente, de 1600 para cá, logo, com 400 anos. Somos, ainda, os bairros mais distantes de Paris, Londres, Roma. Em 400 anos não se constrói uma sociedade, mas se as destrói, como fizeram com os reinos africanos de que sou descendente e aos índios do Brasil.

Como querer que em tão curto espaço de tempo uma nação de raça pluralista tenha identidade única? Eu acho natural quem veio do Líbano, da China, Japão ou Itália manter vínculos com seu rincão de origem.

Não acho que existe submissão nem jugo. Existe aqui um povo que se diz esperto, que aprecia a lei do menor esforço, pega carona na evolução alheia e desfruta dos benefícios que a duras penas e sacrifícios outros povos conquistaram. Não é, pois, submissão, mas dependência.

Duvido que Avelino Ferreira se sinta escravo por usar rádio, televisão, aviões, Internet, remédios, energia elétrica, os tipos e tudo mais de know-how americano-europeu.

Ferreira, meu irmão, você está empregando a palavra escravo tal e qual a cultura oficial fez, com discriminação ao negro no Brasil. Aprendemos na escola que os negros são descendentes de escravos e que os índios eram selvagens, na mais velada e cruel discriminação, quando o negro descende de reis e rainhas de nações africanas e o índio era o verdadeiro dono da terra. A escravidão foi uma condição imposta ao negro, nunca sua origem racial, assim como a selvageria não era uma condição indígena. E naquela época, meu amigo, não havia americanos mandando e oprimindo a América do Sul. Mas isso é uma história longa.

Para falar de escravidão, atraso cronológico de um povo, não é por via da filosofia, que sempre pugnou por racionalismo meramente materialista. O bagulho é mais sério.

Aquele abraço

Paulo Freitas – Niterói/RJ