segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Ligações perigosas

Na toca com o lobo

Fausto Wolff

A nossa elite rouba. Cá entre nós, se déssemos à elite sueca os mesmos incentivos que damos aos nossos bancos, ela titubearia, mas não por muito tempo. Quando o roubo é parte fundamental do jogo - pensarão - quem não rouba vira trouxa. Há anos venho lhes dizendo: desconfiem das coincidências. Porque as coisas acontecem e desaparecem num tempo certo. Por que Sarney e Figueiredo ganharam seus anos extras? Por que Collor de M., que deveria estar num hospital para curar sua mania de grandeza, decidiu comportar-se como amador e ficar com a parte do leão-marinho? FHC cumpriu seus compromissos de vender a preço de banana uma terça parte do Brasil e hoje é um homem riquíssimo. E o sr. Luiz Silva, que viaja pelo mundo para coisa nenhuma, pois seu governo já estava previsto desde o primeiro dia do primeiro mandato? Eu, pessoalmente, acreditei que mais gente se desligaria do PT ao ver a suposta causa socialista transformada em nojenta caridade logo nos primeiros dias de governo.

Acompanhem meu raciocínio. O sr. Luiz Silva está há mais de quatro anos no poder sem fazer outra coisa senão distribuir dinheiro entre ricos e miseráveis. Os ricos (Fiesp, FNI) de São Paulo podem reclamar no atacado, mas, no varejo, o que se ouve é: "Estamos com o sr. presidente". Ele pode até muito bem não saber onde está, mas a graduagem sabe. Senão, vejamos: ninguém sabe quantos ministérios temos (tem um que só está aí para receber no presente, funcionar no futuro - o longo prazo) e ninguém sabe para onde vão os bilhões arrotados todo dia na TV.

A verdade é que o nível da imprensa mundial baixou muito, principalmente o da americana, que, durante quase seis meses, acreditou que Saddam tinha realmente armas nucleares. Mas o pessoal da pesada deve estar fazendo pipi nas calças de tanto rir: quase cinco anos de governo e quase uma dezena de Comissões de Inquérito, que paralisaram o governo, puniram três pessoas (sem cadeia, é claro) e reelegeram o mesmo presidente, que já fala que não existem duas sem três.

Outro lobo rosna na escuridão, o militar, cada vez que alguém fala em punir os crimes cometidos durante a ditadura milagrosa, que acabou juntando num mesmo partido as esquerdas e as direitas. Nem todas as Forças Armadas colaboraram com a ditadura, mas os descontentes falam do Clube Militar sem respeitar as instituições por onde passaram tantos heróis que não se enlamearam junto com os torturadores. Um jornal paulista publicou, há algumas semanas, um artigo assinado por dois capitães de Mar e Guerra, Luiz Carlos de Souza Moreira e Fernando de Santa Rosa. Eles se perguntam por que o Comando Militar se põe em defesa daqueles que torturaram e executaram presos que não podiam reagir, abusaram sexualmente de homens e mulheres e ocultaram cadáveres.

Eis, sintetizando, o que disseram os dois capitães de Mar e Guerra em reportagem publicada na Folha: "O ideário do chamado 'capitalismo selvagem', que ungia as ações da nova ordem mundial, sob a liderança dos EUA, exigia que fossem contidos todos os governos que, politicamente, demonstrassem uma posição antagônica a seus interesses e mostrassem preocupações com as questões sociais dos seus povos. (...) Prevaleceu a 'velha cantilena', que deu origem à ridícula história de que 'era preciso impedir o avanço do comunismo internacional'. (...) Só para lembrar, no Brasil estava em vigor uma Constituição que proclamava a liberdade de pensamento. E exercia a Presidência da República, de modo legítimo, o senhor João Goulart. O que se lamenta é que a muitos dos nossos colegas, à época jovens oficiais, (...) foi ensinado, durante a ditadura, que a ideologia da segurança nacional se sobrepunha a qualquer outra. Passaram anos sem liberdade, (...) sem o direito de professar qualquer credo político que não fosse afinado com esse pensamento, porque, se o fizessem, seriam 'demonizados'."

Duas forças precisam estar bem unidas para se gerir um golpe. Como em 1964, quando tínhamos, de um lado, um governo medíocre, cercado de traidores, e Forças Armadas e carentes. Do outro, os interesses americanos e a força da imprensa, sobretudo a TV. Ocorre que um canal é uma concessão do governo. Sem o nihil obstat do governo, uma quarta parte da Câmara e metade do Senado ficarão sem o que precisam para eleger quem quiser em suas regiões. E é por isso que está pegando tanto o caso Renão-saí-mas-só-estou-dando-uma-volta. Que forças extraordinárias tem este homem? Que segredos civis e militares conhece para paralisar um país continental? A princípio, ele e seus aliados têm estações de rádio e TV nas mãos e as notícias, principalmente, quando deturpadas, chegam ao povo e o povo comprado, enganado, explorado, gongado, vota.

Os militares e a imprensa - TV Globo mesmo ainda não operando à frente - convenceram a classe média de que algumas centenas de comunistas tomariam o poder com o beneplácito de Jango. Com navios de guerra americanos ancorados pertinho da Praça Mauá, nunca foi tão fácil transformar uma democracia com alguns defeitos numa ditadura com todos os defeitos. Os jovens oficiais não se deram conta do que estava ocorrendo e fizeram o que lhes fora ensinado toda a vida: obedeceram sem pensar. Quarenta e três anos depois, se quiserem alegar comunismo, terão de alugar umas três Kombis para levar uns 20 velhinhos como eu, que não agüentarão as porradas até o Doi-Codi. Hoje a desculpa será a roubalheira e a impunidade totais. Estou com medo, mas me seguro nas palavras dos capitães de Mar e Guerra: "Golpe, não".


*jornalista e escritor



Ps.: O escritor e jornalista Fausto Wolff foi convidado para colaborara com este blog. Por motivos de saúde, não teve condições de apresentar originais, mas gentilmente permitiu a republicação dos seus artigos publicados no Jornal do Brasil. A isto, o Lagos Alternativa, carinhosamente, agradece.

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