segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Cabo eleitoral

Paulo & Pauladas

Paulo Freitas


Houve nos Campos dos Goitacás e adjacências um candidato a vereador que, corpo a corpo, cabalava votos com o slogan “Vote em mim que roubarei para nós dois”. Os eleitores riam e estimulavam o candidato:

- Este é o homem, vai logo aos finalmente. Quer se eleger pra roubar os cofres públicos e dividir com seus eleitores.

As pesquisas indicavam que o despudorado candidato seria o mais votado, ameaçando a reeleição de Carlito, o prestigiado líder do governo na Câmara, que receoso de um revés, mandou buscar Teobaldo no “escritório”. Era como se referia à quitanda do velho Amaro do Capão. O cabo eleitoral deu uma valorizada.

- Se o doutor vereador quer falar comigo, que venha aqui, que é pra me dar prazer na hora que for embora.

E se escangalhava de rir. Todo gabola, Teobaldo se vangloriava de ter descoberto a razão pela qual sua presença era tão requisitada. Certo da presença, Teo já havia convocado quase todos os moradores do bairro, especialmente os votantes.

- Pinga e cerveja por conta do vereador, ma só para quem apresentar o título de eleitor. Se não for eleitor não vai beber – ameaçava.

Enquanto esperava, Teobaldo distribuía simpatia. Queria demonstrar poder. A língua de Nezinho comichava, tal a vontade de falar umas verdades para o colega. Depois que entornou o quinto copo de pinga, Nezinho empolgou-se, já com a língua dormente e enrolada.

- Zeobaldo, o povo zaqui zirou a casaca. Zá todo mundo pensando em votar no ladrão.

- Mas não é esse o nosso canditaod, homem? – confundiu-se, imaginando que Nezinho fazia alusão a Carlito.

- É noutro ladrão, Zeobaldo, um candidato lá da Baixada da Égua. O nome dele é Ladrão ,mezzmo. O povo zaqui canzou de zer enganado – concluiu o colega.

Todos concordaram em virar a casaca, acreditando que depois de eleito o Ladrão da Silva voltaria para dar a parte que lhes cabia. Não podiam imaginar que o dito cujo candidato acabava de adentrar o recinto e procurando justamente por Teobaldo, de quem tivera as melhores referências. Após os cumprimentos, o candidato atacou:

- Quero um particular com o dileto amigo – insinuou-se, de boquinha na orelha de Teo. – Trago aqui uma proposta para você ser coordenador geral de minha campanha.

- Duas coisas matam de repente: tiro pelas costas e político ladrão de frente. Entro nessa não, senhor – rebateu o cabo eleitoral, maldizendo a hora que aceitou um adiantamento financeiro de Carlito. Ainda assim, o candidato não desistiu. Resolveu pegar uma carona naquela concentração de almas à sua frente. Acreditava que Teobaldo se renderia ao seu talento.

- Povo do Capão, para cada escola que eu vou construir, será uma cadeia que nós vamos fechar. Votem em mim, pois roubarei para nós todos. Ladrão por ladrão, vote nesse irmão. O mal desse prefeito não é falta da persistência, mas sim a persistência na falta. Vamos mudar, vamos romper com esses políticos que comem sozinhos, que não distribuem uma migalha dos bilhões que amealham com seus eleitores. Quem roubou, roubou; quem não roubou não rouba mais.

O povão delirava, enquanto um vistoso quarteto de moças em trajes sumários distribuía os santinhos do candidato, cuja logomarca era um bem nutrido gato deitado sobre um monte de dinheiro, com a indefectível expressão “colaboração de amigos”, para burlar a justiça eleitoral.

Teobaldo sentia-se impotente diante da verborragia do candidato que brilhava na seara alheia e pressentia que eu rebanho havia se desgarrado. Mas eis que Carlito chegou no possante chapa branca. Nunca ninguém soube pra quem foi a estrepitosa vaia que se seguiu, se para a chegada de Carlito ou para o orador que concluiu sua fala com um “tenho dito”.

- Candidato ladrão devia ter só dois dentinhos, um em cima e outro embaixo. Um para ficar doendo dia e noite sem parar, outro para abrir garrafas e cerveja aqui na quitanda – atacou Teobaldo. A platéia aplaudiu. Carlito gostou. E Teobaldo foi em frente:

- Vereador ladrão deixa a Prefeitura sem dinheiro e o povo sem vergonha na cara. Meu amigos do Capão, este candidato ladrão que fechar as cadeias para não ver ele mesmo o sol nascer quadrado, tá legislando em causa própria. Se ladrão fosse dinheiro, ele seria uma nota de três cruzeiros, posto que é falso, é matreiro. É o candidato-carvão, que suja e queima seus adversários... Acaba de chegar o verdadeiro defensor do nosso bairro, o vereador Carlito, o pai dos pobres, o amigo certo... – e foi por aí, sempre muito ovacionado.

Mantalmente, Carlito calculava quanto haveria de lhe custar tamanha prosopopéia. Seu sorriso era uma careta de preocupação. Teobaldo aproveitou para demonstrar que havia rejeitado uma proposta milionária para trair Carlito.

- Prefiro receber um milhão das mãos de Carlito, porque sei que a procedência é boa, que é dinheiro ganho honestamente, a receber os 10 milhões que esse tal de Ladrão me ofertou, obtidos por meio da espoliação dos cofres públicos. E digo mais, senhores, meu gadinho: se ser ladrão é bom, porque então só existe esse ladrão-candidato?

Carlito quase teve uma sincope. Teobaldo exagerou na pedida. Alguém gritou:

- Prendam o Ladrão!

- Prender, não! Vamos dar uma coça de pau nesse salafrário – exagerou um outro.

O candidato da Baixada da Égua desapareceu no ar, deixando pra trás as moças que panfletavam, imediatamente incorporadas por Carlito à sua camapanha. Todos cumprimentam e elogiam o vereador Carlito. A muito custo, Teobaldo arrancou seu líder político dos assédios para confabular num canto da quitanda.

- Faz um checão generoso aí, Carlito. Mas bota zero a balde, bota zero à direita à vontade porque reusei uma grana preta para ficar contigo. A coisa tava feia pro teu lado – apelou o assessor.

- Quantos zeros? – arriscou-se a perguntar.

- Pelo menos uns seis – exagerou Teobaldo.

- Negócio fechado, mas se você dividir em duas parcelas.

Teobaldo topou, claro. Afinal, era dinheiro demais.

- Vou fazer dois cheques; com um e três zeros para agora e outro com mais um e três zeros pro mês que vem...

Emocionado, o assessor nem reparou nos valores, guardou-os no bolso confiante como sempre o fez. Ao se despedir do chefe político, Teobaldo segredou em tom de recomendação:

- Carlito, às vezes a gente conta um mentira e ninguém foca sabendo. Gostei de ver sua conduta aqui hoje. Até um imbecil passa por inteligente quando fica calado.

O vereador agradeceu orgulhoso e foi bater noutra freguesia.





* Jornalista e escritor

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