sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Quem inventou esse tal de Estado?


Mal Traçadas


Thiago Freitas

Confesso. Nos últimos dias, ando com os sentimentos meio à flor da pele. Às vezes, me flagro chorando diante da TV, lendo jornais ou assistindo a certos filmes, como À Procura da Felicidade. Os absurdos que presencio me tocam o coração feito socos, socos repetidos, numa seqüencia ininterrupta de golpes.

Não foi sem me revoltar, e questionar muito, que acompanhei durante todo o mês de novembro o caso da menina de 15 anos, presa, em Abaetetuba, no Estado do Pará, em uma cela com 20 homens, onde sofreu todo tipo de abuso sexual em troca de comida.

Perdoem-me o excesso de sentimentalismo implícito neste texto, mas meu maior defeito – tem quem considere isso qualidade – sempre foi não separar meu eu-cidadão do eu-repórter. Afinal, que merda de Estado é esse que permiti tamanho absurdo e classifica isso como um erro? Não foi um erro, foi um crime, cometido por nosso Judiciário, por nossa polícia, por nosso Legislativo, Executivo e todo resto.

Em São Paulo, o mesmo aconteceu com o caso do delinqüente ciumento que seqüestrou, pela segunda vez, a ex-noiva, conseguindo concretizar aquilo que não havia conseguido na primeira tentativa: matar aquela que era vítima de sua possessão. Para isso contou com a “ajuda” do judiciário, que o concedeu liberdade provisória um mês depois dele ter se entregado à polícia. O primeiro seqüestro ocorreu em junho deste ano. Tem quem diga que a Justiça cometeu um erro. Eu diria, sem pudor, que a Justiça foi cúmplice de um assassinato ao colocá-lo novamente nas ruas.

Na Região dos Lagos, barbaridades como essas, infelizmente, não são menores. A violência, assim como a impunidade e suas conseqüências, por aqui, não deixa nada a desejar para a que ocorre nos grandes centros urbanos. Recapitulando: uma menina de cinco anos é estuprada e jogada morta dentro de um buraco qualquer em Arraial do Cabo; um menino, de oito, também é violentado pelo padrinho, no bairro da Ogiva, em Cabo Frio; outro animal – os animais que me perdoem – sem alma violentou uma criança de dois anos... E nosso coronel Adílson Nascimento, comandante do 25º Batalhão da Polícia Militar, tenta nos convencer, através de números infundados, de que “a violência na região não aumentou, mas, sim, a polícia é que está mais atuante”. Fato é que ninguém, diante de seus erros – ou crimes – sabe dar uma explicação que convença os milhares, milhões de cidadãos que esperam um mínimo de sentido nessa tal sociedade gerenciada por nosso Estado, constituído por seus Três Poderes. É por isso que tanto o Adílson como o Lima Castro - este último já deixou o cargo e foi errar em outras bandas - de boca fechada são verdadeiros poetas. Uma dupla perfeita de parnasianos que muito falam sem nada dizer.

E nossa grande imprensa, o que dizer dela? Voltando ao fato da menina do Pará. Leitores, realizem comigo: foi um preso que saiu da cadeia e foi até a escola, conseguiu uma cópia da certidão de nascimento da menina e se dirigiu ao conselho tutelar. A mãe dela, que apareceu pedindo justiça após o caso explodir na mídia e a menina ser libertada, onde estava esta pobre mulher que não tomou ela própria essas providências? Os presos, por que foram transferidos? E por que a menina foi retirada do Estado do Pará junto com o pai biológico, ambos ameaçados de morte (também não dizem por quem) enquanto que a mãe permaneceu por lá? São questões que a imprensa, claro, não tem obrigação de responder, mas o dever de perguntar, isso tem. Eu, por enquanto, fico aqui, entre lágrimas, letras e o sentimento de revolta, de insegurança, de impotência. Ainda não duvido da existência de Deus. Mas uma pergunta chata, impertinente, insiste em me martelar a cabeça a cada edição de jornal, a cada fato presenciado no dia-a-dia desse mundo cão: quem foi o louco, o imbecil ou desocupado que inventou esse tal de Estado?




*Jornalista

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