sábado, 17 de novembro de 2007

Via de mão dupla

Nossa Imprensa

Octávio Perelló

Eis uma máquina de fazer doidos, a assessoria de imprensa, tal e qual uma redação. Sobre o balcão que as divide, pendula o martelo do mercado, este ente impiedoso que dita ao jornalista qual o caminho a seguir. Desta oscilação jorram histórias sobre parcerias e confrontos, e surgem ineditamente ações entre um e outro lado, fazendo-os ter de lidar com situações novas, muitas destas jamais previstas pelas escolas de jornalismo, tanto a acadêmica quanto a prática, a de domínio adquirido no exercício do trabalho.

Muitas são as discussões sobre ética, envolvendo acusações e desconfianças de ambos os lados. Por vezes o vilão é o assessor de imprensa, supostamente rendido ao rol de interesses que divide com os clientes que atende. Por outro ângulo, os interesses comerciais dos órgãos de imprensa, jamais assumidos desnudamente, recebem farpas de que privilegiam clientes em detrimento dos que “não estabelecem a parceria”. No meio, o cliente, umas vezes satisfeito por ter “saído bem na foto”, e outras tantas acuado com “ameaças de ataque” ou mesmo atingido pelo “bombardeio”.

[um dos esforços básicos do jornalista em assessoria de imprensa é delimitar fronteiras, para que não confundam sua atuação com o marketing, que é outra história]
Tem força o jornalismo, e o que o cliente espera do assessor de imprensa, que a priori transita os dois lados do balcão, é que trabalhe essa força, fazendo-a vir ao encontro e não vir de encontro aos objetivos de seu negócio. É aí que se formam as raízes dos erros comumente cometidos tanto por pequenas e grandes empresas quanto por homens públicos no exercício de suas gestões. Na lida com a mídia, privilegiam a sua mensagem, por vezes transitando em paralelo aos fatos, não somente no sentido dos acontecimentos noticiados, mas também no tocante à realidade do sistema, esta engrenagem que se permeia de negócios e parcerias. O profissional de ambos os lados do balcão sabe os limites tênues da propalada liberdade de imprensa, que existe relativamente, pois divide o espaço com as regras comuns do mercado, onde o produto é a informação, seu benefício é a boa imagem, e se paga o preço. Neste contexto, quando se erra a mão, as mensagens vão além da medida, além do que deveriam, além dos fatos e dos preceitos éticos.

Nesse imbróglio, um dos esforços básicos do jornalista em assessoria de imprensa é delimitar fronteiras, para que não confundam sua atuação com o marketing, que é outra história, que logicamente inclui a comunicação como um braço. Ao utilizar-se da ferramenta assessoria de imprensa, o cliente pretende ocupar espaços destacados nos veículos de comunicação. E, por sua vez, os profissionais de imprensa de cada lado do balcão, sob o impacto do martelo, muitas vezes se perdem, no sentido ético, o que não quer dizer que não atinjam os objetivos, que não demonstrem “competência” sob a ótica do mercado.

Se hay cuarto poder soy contra, pero no mucho

No fundo há um jogo disputado por políticos, empresários e jornalistas: o jogo da verdade. Ambos se imbuem de um poder de representação da sociedade, por vezes até messiânico, em busca de um embuste de mensageiro do além, aquele que tem a visão privilegiada da verdade. Isto tem servido, por todos esses anos, aos jornais, rádios e TVs. Tem poder a imprensa, e nela proliferam argutos profissionais que adoram o que fazem, acreditando serem habilitados a nomear e destituir homens públicos, o que os fatos comprovam ocorrer.

Podemos exagerar, sem medo: não fosse a imprensa, somente os livros não dariam conta da História. Do mesmo modo que temos de admitir, como de todo, em todas as instâncias da sociedade e instituições, a infiltração da prática charlatã. Ainda que questionável, tem força, mesmo que momentânea. Evidentemente, muitas “armações” chacoalham para lá e para cá, em meio à opinião pública, e não se sustentam por muito tempo. Mas aí, muitas vezes o estrago foi feito e pouco há que fazer. De um lado e de outro do balcão há injustiças. Há infindáveis exemplos de episódios em que imagens foram maculadas, atingindo honras, e outros em que paladinos da mentira sustentaram sua voz com os recursos midiáticos de que dispõem.

Sou da modesta opinião de que este assunto, que não se esgota nestas mal traçadas linhas, requer sempre o esforço do bom profissionalismo, para não aviltar de vez um mercado que tem sua nobreza, com certeza, mas precisa ser frequentemente depurado. Tem poder a imprensa, e é bom que o tenha, mas o filtro da ética será sempre seu dispositivo regulador invisível. Tem, sim, poder a imprensa. Não sei se mais que os políticos e empresários, mas faz seu estardalhaço aqui e ali. Certamente que isto é melhor do que a censura brutal que inibe a liberdade de expressão, porém se é mesmo a imprensa o quarto poder, tanto para contribuir com a evolução da sociedade, quanto para cometer também seus erros imperdoáveis, não consigo evitar que escape certo gosto pelo humor de parodiar uma velha e desbotada frase: - Se hay cuarto poder tambien soy contra, pero no mucho!

* Jornalista, bacharel em Arquivologia e especializado em gestão de Centros de Documentação e Informação, atualmente diretor-geral da Câmara Municipal de Cabo Frio e colaborador da Revista Cidade, com passagens por importantes assessorias de imprensa e agências do Rio de Janeiro, tais como Bradesco Seguros e Previdência, Básica Comunicação, Shopping de Comunicação e FSB Comunicações, e veículos, agências e assessorias de imprensa do interior do Estado, como Folha dos Lagos, O Canal, Cox Propaganda, Humanóides Produtora, Prolagos e Prefeitura de Búzios. Autor de Memórias de um mouro (Prêmio IV Concurso de Contos da Prefeitura de Niterói, publicado pela Niterói Livros em 2006) e Colóquios de Vespúcio e Colombo (Prêmio Teixeira e Souza de Literatura 2003 / Prefeitura de Cabo Frio).

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