terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Por que odeio o Cabofolia

História & Sociedade
José Francisco de Moura
Eu odeio o Cabofolia. Você pode imaginar que a razão é o fato de eu gostar muito de rock. Não vou negar que esse argumento seja relevante. Os rockeiros não toleram o axé e isso é uma coisa bem conhecida. Mas por quê será então que eu e a grande maioria dos rockeiros não odiamos MPB, Música Clássica, Blues, Jazz, Samba de raiz e Bossa Nova ? Logo, gostar de rock não é o principal argumento. Vou apresentar outras razões para odiar essa porcaria de micareta.
O axé representa tudo aquilo contra o qual eu e muita gente de bem luta. Representa, primeiramente, o poder da mídia musical sobre o que devemos ou não ouvir nas rádios e nos programas de TV. Vamos ao português claro, sem rodeios: o axé representa a alienação. Em um mundo dominado pela injustiça social, pela exploração do trabalho, pela corrupção e pela eminência de destruição do planeta, o axé configura-se em uma música abobalhada que produz a falsa sensação de alegria do “mãozinha pra cima, pezinho pra baixo”. E o Cabofolia é o evento que promove tudo isso em nossa região.
O Cabofolia é um evento desprezível também em função de atrair parte de um público com o qual eu tenho muita antipatia. O Cabofolia atrai o pit boy alienado que pensa que ser feliz é sarar o corpo e lutar Vale-Tudo. Vem lá do cafundó do Judas pensando que nossa cidade é a Sodoma dos Trópicos, agarrando à força a mulherada (embora muitas gostem disso, devo reconhecer) e provocando brigas e tensão à sua volta.
A mulher que vai e gosta de micareta também não é das mulheres que mais me atraem. Algumas podem até ser belas por fora mas, sinceramente, o que terão na cabeça ? Se minha filha fosse fã do Cabofolia eu sentiria um tremendo desgosto. Quero que minha filha seja consciente e se valorize enquanto mulher. Não quero que seja escrava da mídia nem um mero objeto dos desejos sexuais animalescos de homens imbecis. As mulheres lutaram muito para chegar na condição em que estão hoje. Muitas perderam a vida para que elas hoje possam votar, trabalhar e ter direito ao prazer sexual E as micareteiras parecem não saber disso, denegrindo a imagem da mulher em um mundo ainda tão machista e chauvinista.
O Cabofolia atrai para cá um tipo de turista que eu não gostaria de ver no lugar mais asqueroso do mundo, imagine em nossa querida Cabo Frio, qual seja, um turista folgado, que não gasta quase nada na cidade, que vem e volta logo após o evento e que afugenta quem gosta de paz e tranqüilidade.
O Cabofolia poderia aproveitar a ocasião de reunir tantos jovens para divulgar o folclore e a cultura popular nordestina, como propôs o professor e teatrólogo Facury. Mas ao invés disso, esse ano, pasmem, o evento contou com uma tenda tocando Funk. Pensando bem, nada mais apropriado.
Se colocássemos em uma fila indiana todas as pessoas que durante esses dez anos de Cabofolia já foram de alguma ou outra forma agredidas, estupradas, assaltadas e desrespeitadas durante ou no entorno do evento, te garanto que a fila iria chegar até Arraial do Cabo. Mas por que será então que o Cabofolia continua a ocorrer mesmo após tantos acontecimentos desagradáveis ? Por várias razões, meus caros amigos. Primeiro, porque o Cabofolia enriquece a pessoa que o organiza. Depois, porque seu organizador é uma pessoa muito próxima do Poder constituído em Cabo Frio há pelo menos dez anos, o que faz com que ele consiga com imensa facilidade obter todas as licenças e a ajuda para tudo o que precisar. Depois, porque consegue patrocinadores para toda essa baixaria, desde das leis de incentivo à cultura, o que se não é ilegal é uma vergonhosa imoralidade, até incentivos de grandes empresas privadas.
As pessoas que organizam o Encontro de Motos, o Cabo Free, os festivais de Teatro da cidade, o Rock Humanitário, o desfile das Escolas de Samba, os Congressos e outros mil eventos não oficiais sabem que é muito difícil conseguir patrocínio privado e liberação de verba de lei de incentivo. Mas, no Brasil é assim: se você é poderoso, sabe os buracos das leis, as mumunhas do conchavo e as barganhas políticas, você consegue tudo. Caso contrário, padecerá para organizar seu evento, esmolando ajuda de amigos, de empresas e da prefeitura, por melhor e mais digno que o evento seja perto do malfadado Cabofolia.
Chicléeeteeeeeeeeeê.
*Professor de História e Doutor em História da Grécia

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