sábado, 10 de novembro de 2007

Sétima Arte - Um filme e o obscuro humano




Por Alexandre Bastos


O poeta inglês William Blake dizia que o ser humano encerrou-se em si mesmo, a ponto de ver tudo pelas estreitas fendas de sua caverna. A verdade é que temos uma grande facilidade para julgar, condenar, humilhar e diminuir nossos semelhantes. Sem saber que tudo passa pelo nosso filtro interior. Então, quando atacamos alguém, estamos despejando nossos medos e frustrações em uma pessoa que reflete o que somos. Não é o outro, é o "eutro".

Ao ver "Crash – No Limite", filme vencedor do Oscar 2006, o espectador tem a oportunidade de ver além das fendas de sua caverna. O filme é o retrato dessa sociedade que aparenta modernidade, mas que no fundo continua preconceituosa, rancorosa e arcaica. Vemos muitas pessoas rezando, bancando as boazinhas, mas que precisam de muito pouco para mostrar que não passam de farsas ambulantes. Uma das frases de divulgação de "Crash", diz: "Você pensa que conhece a si mesmo? Você não faz idéia". E o diretor e roteirista Paul Haggis mergulha nas profundezas e anda pelos corredores escuros da mente humana. Haggis,que possui vasta experiência na televisão americana, surgiu no cinema ao escrever e produzir o premiado "Menina de Ouro", de Clint Eastwood,que lhe rendeu uma indicação ao Oscar de roteirista.

A idéia de "Crash" surgiu quando o próprio Haggis se envolveu em um acidente automobilístico. Aos poucos ele foi entrelaçando diversos personagens sem aparente conexão na cidade de Los Angeles. A história é desenvolvida de forma direta e faz com que os espectadores se identifiquem com as situações apresentadas. Uma, em especial, é marcante. A rica dondoca interpretada pela Sandra Bullock humilha um chaveiro. Na cena, vemos uma mulher frágil que encontra naquele homem uma forma de dar vazão as suas frustrações.

"Crash" apresenta policiais e ladrões, ricos e pobres, poderosos e indefesos. O filme e concentra em pequenos núcleos que aos poucos vão se entrelaçando. O rico casal negro que entra em conflito ao sofrer uma abusiva revista policial. O promotor oportunista e sua esposa fútil. A família persa que, após 11 de Setembro, tenta se manter em um país que os vê com desconfiança. Além de uma dupla de jovens negros assaltantes. Não há espaço no roteiro para personagens principais. Todos são relevantes na mesma proporção. O diretor extraiu performances arrebatadoras do elenco que conta com: Matt Dillon, Sandra Bullock, Don Cheadle, Ryan Phillippe, Brendan Fraser e Thandie Newton.

É bom ver um filme que coloca o dedo na ferida que todos tentam esconder. A maioria das pessoas não fala, desabafa; não cobra, exige; não conversa, impõe; não questiona, ataca; não pede, manda. E assim a cada dia que passa, vamos nos afastando dos outros e de nós mesmos. Evitamos aproximações por achar que estamos correndo riscos. Não estendemos a mão para não correr o risco de um envolvimento maior. Não expomos nossos sentimentos para não mostrar quem realmente somos. Só que viver é arriscar-se a morrer. Evitar os riscos e viver numa redoma de vidro é desperdiçar a chance de aprender, crescer, mudar e amar. Dar um passo em direção ao próximo pode fazer com que a gente perca os sentidos por algum tempo. Mas ao ficarmos estáticos, não perdemos apenas os sentidos, perdemos a vida...
*jornalista

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