terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Redação tem cada coisa...

Paulo & Pauladas

Paulo Freitas

Doutor Sylvio Fontoura tinha a desvantagem de ser velho, esquelético e baixinho, contrastando com sua invejável inteligência e cultura.. Era dono do jornal “A Notícia”, em Campos dos Goitacás, pelos idos de mil novecentos e lá vai fumaça. Homem importante e que não se dava ao luxo de aparições públicas. Raramente visto nas ruas. Quem é do ramo deve-lhe uma das passagens mais curiosas da imprensa fluminense, que ouso tentar contar.

Sucedeu-se no tempo dos bondes, da energia racionada, no pós II Guerra Mundial. Havia nos Campos um mau elemento conhecido apenas pela alcunha de Zé Grande. Um gigante. José Cândido de Carvalho, que me contou esse causo, dizia que o dito cujo era um legítimo 15 por 36, medida de terreno grande. Grandão. E se prevalecia dessa opulência e vigor para desrespeitar as famílias. Sua predileção era mijar na rua, exibindo um falo imenso. Ficava na calçada, mirava na pista como se estivesse do alto de um trampolim, rindo as escancaras e balançando o pingolim de modo a irrigar os macadames da Rua do Sacramento e as calças também.

Força policial não podia com Zé Grande, em cuja folha corrida constava a suspeita de ter aleijado meia dúzia de guarda metido a besta e inúmeras resistência à prisão bem sucedidas. Tocava o terror, dava calote nas quitandas e cafés. Inconformados com as atitudes de moço, pessoas de bem procuraram o doutor Sylvio Fontoura para que o jornal denunciasse as mazelas promovidas ao arrepio da lei e complacência policial. E Sylvio Fontoura tascou lá:

“Até quando a civilização vai conviver com as indecências do indigitado meliante alcunhado Zé Grande, 24 anos, filho da benevolente Dona Cotinha? Dito mau elemento está a merecer justificada surra e apodrecer no cárcere tal o mal que faz à nossa sociedade.....” E foi por ai, metendo o malho na policia, delegado, juiz e até nos voluntariosos dos comissários de menores, civis com aptidão para perseguir criancinhas, que nada faziam.

Zé Grande não era homem de comprar jornal. Jamais saberia da publicação não fossem os alertas dos habitues do Boulevard. Acabou de ler bufando, pedindo o significado de todos adjetivos, especialmente o “benevolente” da senhora mãe dele, que julgava corresponder a quenga, puta, mulher da vida dia pra pior. Enfurecido, informou-se sobre o local da redação e em especial do redator, velhinho, magérrimo e tão pequenino que cabia numa foto 3x4 de corpo inteiro.

Quebro esse traste ou não me chamo Zé Grande! - sentenciou enquanto repetia o nome de doutor Sylvio sem parar a modo de não esquecer. E por onde passava, notava os risos debochados nos semelhantes e ouviu pelo menos uma centena de vezes que seu nome estava no jornal.

Para chegar mais depressa a Sylvio Fontoura, Zé Grande comeu na bofetada o moço do balcão e só a misericórdia divina justifica não ter arrebentado os degraus da escada de madeira, que ele fez de surdo de marcação. Quem viu garante que mais pareciam a formiga e o elefante, o velhinho Sylvio e Zé Grande.

- Foi o senhor que escreveu isso de mim? – esbraveja. No que o jornalista assentiu que sim, o grandalhão enroscou a folha e sentenciou:
- Então vai comer, seu velho filho da puta! Vai comer tudinho...
Não adiantou pedir calma, nada. Empurrou o jornal goela abaixo e ficou naquele “morde, come desgraçado; agora, tem que engolir”. O jornalista obedeceu para salvar pele e terno de casimira inglesa. Mastigou e engoliu bons pedaços para delírio do mau elemento, que saiu da redação contando vantagem.

No dia seguinte, em manchete, “A Notícia” publicou: “Inconformado por ter sido denunciado por este jornal, o mau elemento Zé Grande entendeu de tirar satisfações com o nosso diretor, Doutor Sylvio Fontoura, que o pôs a correr daqui pra fora com um pontapé nos fundilhos....” e foi ai. De arruaceiro, facínora, delinqüente, boçal e energúmeno Sylvio Fontoura fez a festa, o que suscitou mais uma aparição do gigante, daquela vez mais violenta, a ponto do jornalista necessitar da assistência do Samdu. Ainda assim, ditou para Hervê Salgado a manchete do dia seguinte “Jornalista dá surra em mau elemento”.
Ninguém duvidou nem estranhou, porque Sylvio Fontoura não dava as caras. E se aquele velho esquelético bateu em Zé Grande, a Polícia haveria de se fartar. E como fartou. Apanhou muito o valentão e há quem diga que virou moça, moçoila do companheiro de cela conhecido como Antonio Jumento, o Toninho Pé de Mesa.
A aparição de Sylvio ocorreu meses depois, equilibrando-se numa bengala, alquebrado e festejado por onde passasse. Nem reparou quando chamaram-no de Maciste, que Steve Reeves imortalilizou.



*Jornalista e escritor

Por que odeio o Cabofolia

História & Sociedade
José Francisco de Moura
Eu odeio o Cabofolia. Você pode imaginar que a razão é o fato de eu gostar muito de rock. Não vou negar que esse argumento seja relevante. Os rockeiros não toleram o axé e isso é uma coisa bem conhecida. Mas por quê será então que eu e a grande maioria dos rockeiros não odiamos MPB, Música Clássica, Blues, Jazz, Samba de raiz e Bossa Nova ? Logo, gostar de rock não é o principal argumento. Vou apresentar outras razões para odiar essa porcaria de micareta.
O axé representa tudo aquilo contra o qual eu e muita gente de bem luta. Representa, primeiramente, o poder da mídia musical sobre o que devemos ou não ouvir nas rádios e nos programas de TV. Vamos ao português claro, sem rodeios: o axé representa a alienação. Em um mundo dominado pela injustiça social, pela exploração do trabalho, pela corrupção e pela eminência de destruição do planeta, o axé configura-se em uma música abobalhada que produz a falsa sensação de alegria do “mãozinha pra cima, pezinho pra baixo”. E o Cabofolia é o evento que promove tudo isso em nossa região.
O Cabofolia é um evento desprezível também em função de atrair parte de um público com o qual eu tenho muita antipatia. O Cabofolia atrai o pit boy alienado que pensa que ser feliz é sarar o corpo e lutar Vale-Tudo. Vem lá do cafundó do Judas pensando que nossa cidade é a Sodoma dos Trópicos, agarrando à força a mulherada (embora muitas gostem disso, devo reconhecer) e provocando brigas e tensão à sua volta.
A mulher que vai e gosta de micareta também não é das mulheres que mais me atraem. Algumas podem até ser belas por fora mas, sinceramente, o que terão na cabeça ? Se minha filha fosse fã do Cabofolia eu sentiria um tremendo desgosto. Quero que minha filha seja consciente e se valorize enquanto mulher. Não quero que seja escrava da mídia nem um mero objeto dos desejos sexuais animalescos de homens imbecis. As mulheres lutaram muito para chegar na condição em que estão hoje. Muitas perderam a vida para que elas hoje possam votar, trabalhar e ter direito ao prazer sexual E as micareteiras parecem não saber disso, denegrindo a imagem da mulher em um mundo ainda tão machista e chauvinista.
O Cabofolia atrai para cá um tipo de turista que eu não gostaria de ver no lugar mais asqueroso do mundo, imagine em nossa querida Cabo Frio, qual seja, um turista folgado, que não gasta quase nada na cidade, que vem e volta logo após o evento e que afugenta quem gosta de paz e tranqüilidade.
O Cabofolia poderia aproveitar a ocasião de reunir tantos jovens para divulgar o folclore e a cultura popular nordestina, como propôs o professor e teatrólogo Facury. Mas ao invés disso, esse ano, pasmem, o evento contou com uma tenda tocando Funk. Pensando bem, nada mais apropriado.
Se colocássemos em uma fila indiana todas as pessoas que durante esses dez anos de Cabofolia já foram de alguma ou outra forma agredidas, estupradas, assaltadas e desrespeitadas durante ou no entorno do evento, te garanto que a fila iria chegar até Arraial do Cabo. Mas por que será então que o Cabofolia continua a ocorrer mesmo após tantos acontecimentos desagradáveis ? Por várias razões, meus caros amigos. Primeiro, porque o Cabofolia enriquece a pessoa que o organiza. Depois, porque seu organizador é uma pessoa muito próxima do Poder constituído em Cabo Frio há pelo menos dez anos, o que faz com que ele consiga com imensa facilidade obter todas as licenças e a ajuda para tudo o que precisar. Depois, porque consegue patrocinadores para toda essa baixaria, desde das leis de incentivo à cultura, o que se não é ilegal é uma vergonhosa imoralidade, até incentivos de grandes empresas privadas.
As pessoas que organizam o Encontro de Motos, o Cabo Free, os festivais de Teatro da cidade, o Rock Humanitário, o desfile das Escolas de Samba, os Congressos e outros mil eventos não oficiais sabem que é muito difícil conseguir patrocínio privado e liberação de verba de lei de incentivo. Mas, no Brasil é assim: se você é poderoso, sabe os buracos das leis, as mumunhas do conchavo e as barganhas políticas, você consegue tudo. Caso contrário, padecerá para organizar seu evento, esmolando ajuda de amigos, de empresas e da prefeitura, por melhor e mais digno que o evento seja perto do malfadado Cabofolia.
Chicléeeteeeeeeeeeê.
*Professor de História e Doutor em História da Grécia