Paulo Freitas
Doutor Sylvio Fontoura tinha a desvantagem de ser velho, esquelético e baixinho, contrastando com sua invejável inteligência e cultura.. Era dono do jornal “A Notícia”, em Campos dos Goitacás, pelos idos de mil novecentos e lá vai fumaça. Homem importante e que não se dava ao luxo de aparições públicas. Raramente visto nas ruas. Quem é do ramo deve-lhe uma das passagens mais curiosas da imprensa fluminense, que ouso tentar contar.
Sucedeu-se no tempo dos bondes, da energia racionada, no pós II Guerra Mundial. Havia nos Campos um mau elemento conhecido apenas pela alcunha de Zé Grande. Um gigante. José Cândido de Carvalho, que me contou esse causo, dizia que o dito cujo era um legítimo 15 por 36, medida de terreno grande. Grandão. E se prevalecia dessa opulência e vigor para desrespeitar as famílias. Sua predileção era mijar na rua, exibindo um falo imenso. Ficava na calçada, mirava na pista como se estivesse do alto de um trampolim, rindo as escancaras e balançando o pingolim de modo a irrigar os macadames da Rua do Sacramento e as calças também.
Força policial não podia com Zé Grande, em cuja folha corrida constava a suspeita de ter aleijado meia dúzia de guarda metido a besta e inúmeras resistência à prisão bem sucedidas. Tocava o terror, dava calote nas quitandas e cafés. Inconformados com as atitudes de moço, pessoas de bem procuraram o doutor Sylvio Fontoura para que o jornal denunciasse as mazelas promovidas ao arrepio da lei e complacência policial. E Sylvio Fontoura tascou lá:
“Até quando a civilização vai conviver com as indecências do indigitado meliante alcunhado Zé Grande, 24 anos, filho da benevolente Dona Cotinha? Dito mau elemento está a merecer justificada surra e apodrecer no cárcere tal o mal que faz à nossa sociedade.....” E foi por ai, metendo o malho na policia, delegado, juiz e até nos voluntariosos dos comissários de menores, civis com aptidão para perseguir criancinhas, que nada faziam.
Zé Grande não era homem de comprar jornal. Jamais saberia da publicação não fossem os alertas dos habitues do Boulevard. Acabou de ler bufando, pedindo o significado de todos adjetivos, especialmente o “benevolente” da senhora mãe dele, que julgava corresponder a quenga, puta, mulher da vida dia pra pior. Enfurecido, informou-se sobre o local da redação e em especial do redator, velhinho, magérrimo e tão pequenino que cabia numa foto 3x4 de corpo inteiro.
Quebro esse traste ou não me chamo Zé Grande! - sentenciou enquanto repetia o nome de doutor Sylvio sem parar a modo de não esquecer. E por onde passava, notava os risos debochados nos semelhantes e ouviu pelo menos uma centena de vezes que seu nome estava no jornal.
Para chegar mais depressa a Sylvio Fontoura, Zé Grande comeu na bofetada o moço do balcão e só a misericórdia divina justifica não ter arrebentado os degraus da escada de madeira, que ele fez de surdo de marcação. Quem viu garante que mais pareciam a formiga e o elefante, o velhinho Sylvio e Zé Grande.
- Foi o senhor que escreveu isso de mim? – esbraveja. No que o jornalista assentiu que sim, o grandalhão enroscou a folha e sentenciou:
- Então vai comer, seu velho filho da puta! Vai comer tudinho...
Não adiantou pedir calma, nada. Empurrou o jornal goela abaixo e ficou naquele “morde, come desgraçado; agora, tem que engolir”. O jornalista obedeceu para salvar pele e terno de casimira inglesa. Mastigou e engoliu bons pedaços para delírio do mau elemento, que saiu da redação contando vantagem.
No dia seguinte, em manchete, “A Notícia” publicou: “Inconformado por ter sido denunciado por este jornal, o mau elemento Zé Grande entendeu de tirar satisfações com o nosso diretor, Doutor Sylvio Fontoura, que o pôs a correr daqui pra fora com um pontapé nos fundilhos....” e foi ai. De arruaceiro, facínora, delinqüente, boçal e energúmeno Sylvio Fontoura fez a festa, o que suscitou mais uma aparição do gigante, daquela vez mais violenta, a ponto do jornalista necessitar da assistência do Samdu. Ainda assim, ditou para Hervê Salgado a manchete do dia seguinte “Jornalista dá surra em mau elemento”.
Sucedeu-se no tempo dos bondes, da energia racionada, no pós II Guerra Mundial. Havia nos Campos um mau elemento conhecido apenas pela alcunha de Zé Grande. Um gigante. José Cândido de Carvalho, que me contou esse causo, dizia que o dito cujo era um legítimo 15 por 36, medida de terreno grande. Grandão. E se prevalecia dessa opulência e vigor para desrespeitar as famílias. Sua predileção era mijar na rua, exibindo um falo imenso. Ficava na calçada, mirava na pista como se estivesse do alto de um trampolim, rindo as escancaras e balançando o pingolim de modo a irrigar os macadames da Rua do Sacramento e as calças também.
Força policial não podia com Zé Grande, em cuja folha corrida constava a suspeita de ter aleijado meia dúzia de guarda metido a besta e inúmeras resistência à prisão bem sucedidas. Tocava o terror, dava calote nas quitandas e cafés. Inconformados com as atitudes de moço, pessoas de bem procuraram o doutor Sylvio Fontoura para que o jornal denunciasse as mazelas promovidas ao arrepio da lei e complacência policial. E Sylvio Fontoura tascou lá:
“Até quando a civilização vai conviver com as indecências do indigitado meliante alcunhado Zé Grande, 24 anos, filho da benevolente Dona Cotinha? Dito mau elemento está a merecer justificada surra e apodrecer no cárcere tal o mal que faz à nossa sociedade.....” E foi por ai, metendo o malho na policia, delegado, juiz e até nos voluntariosos dos comissários de menores, civis com aptidão para perseguir criancinhas, que nada faziam.
Zé Grande não era homem de comprar jornal. Jamais saberia da publicação não fossem os alertas dos habitues do Boulevard. Acabou de ler bufando, pedindo o significado de todos adjetivos, especialmente o “benevolente” da senhora mãe dele, que julgava corresponder a quenga, puta, mulher da vida dia pra pior. Enfurecido, informou-se sobre o local da redação e em especial do redator, velhinho, magérrimo e tão pequenino que cabia numa foto 3x4 de corpo inteiro.
Quebro esse traste ou não me chamo Zé Grande! - sentenciou enquanto repetia o nome de doutor Sylvio sem parar a modo de não esquecer. E por onde passava, notava os risos debochados nos semelhantes e ouviu pelo menos uma centena de vezes que seu nome estava no jornal.
Para chegar mais depressa a Sylvio Fontoura, Zé Grande comeu na bofetada o moço do balcão e só a misericórdia divina justifica não ter arrebentado os degraus da escada de madeira, que ele fez de surdo de marcação. Quem viu garante que mais pareciam a formiga e o elefante, o velhinho Sylvio e Zé Grande.
- Foi o senhor que escreveu isso de mim? – esbraveja. No que o jornalista assentiu que sim, o grandalhão enroscou a folha e sentenciou:
- Então vai comer, seu velho filho da puta! Vai comer tudinho...
Não adiantou pedir calma, nada. Empurrou o jornal goela abaixo e ficou naquele “morde, come desgraçado; agora, tem que engolir”. O jornalista obedeceu para salvar pele e terno de casimira inglesa. Mastigou e engoliu bons pedaços para delírio do mau elemento, que saiu da redação contando vantagem.
No dia seguinte, em manchete, “A Notícia” publicou: “Inconformado por ter sido denunciado por este jornal, o mau elemento Zé Grande entendeu de tirar satisfações com o nosso diretor, Doutor Sylvio Fontoura, que o pôs a correr daqui pra fora com um pontapé nos fundilhos....” e foi ai. De arruaceiro, facínora, delinqüente, boçal e energúmeno Sylvio Fontoura fez a festa, o que suscitou mais uma aparição do gigante, daquela vez mais violenta, a ponto do jornalista necessitar da assistência do Samdu. Ainda assim, ditou para Hervê Salgado a manchete do dia seguinte “Jornalista dá surra em mau elemento”.
Ninguém duvidou nem estranhou, porque Sylvio Fontoura não dava as caras. E se aquele velho esquelético bateu em Zé Grande, a Polícia haveria de se fartar. E como fartou. Apanhou muito o valentão e há quem diga que virou moça, moçoila do companheiro de cela conhecido como Antonio Jumento, o Toninho Pé de Mesa.
A aparição de Sylvio ocorreu meses depois, equilibrando-se numa bengala, alquebrado e festejado por onde passasse. Nem reparou quando chamaram-no de Maciste, que Steve Reeves imortalilizou.
A aparição de Sylvio ocorreu meses depois, equilibrando-se numa bengala, alquebrado e festejado por onde passasse. Nem reparou quando chamaram-no de Maciste, que Steve Reeves imortalilizou.
*Jornalista e escritor